domingo, 3 de janeiro de 2010

Roberto Gómez Bolaños e seus teleseriados:
distinção das características de teor não-infantil presentes nos programas e análise dos elementos atraentes aos adultos











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Emerson Fabiano Neves
Rogério Araújo Barros












FATEA - Faculdades Integradas Teresa D´Ávila
Lorena – SP
2008
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Trabalho de Conclusão de Curso apresentado para obtenção do título de Bacharel pelo curso de Comunicação Social, habilitação em Rádio e TV, pelas Faculdades Integradas Teresa D’Ávila.
Orientadora: Laura Barcha

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Não existe trabalho ruim, o ruim é ter que trabalhar.

Seu Madruga
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RESUMO

Este trabalho monográfico expõe uma síntese sobre os programas de televisão Chaves e Chapolin, norteado pelos elementos que induzem o telespectador não-infantil a se interessar pelo seu conteúdo, acreditando que essa audiência adulta consiste em um fato concreto. Empregado através de um levantamento dos componentes potencialmente atraentes aos públicos adolescente e adulto, fundando-se, predominantemente, em bibliografias relacionadas aos seriados e associando-as a estudos variados, pertinentes à questão central. Destaca citações em episódios objetivando legitimar a dedução inicial, assim como dois episódios integrais, permitindo, dessa forma, uma reflexão isenta de interferências e tendenciosidade.












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Sumário


Resumo

Introdução ...............................................8

1 – Roberto Gómez Bolaños, O Chespirito,
e seus principais personagens
1.1 – Bolaños: Obra na TV ................................10
1.2 – El Chavo del Ocho, O Chaves ....................... 12
1.3 – El Chapulín Colorado, O Chapolin .................. 15

2 – Contextualização de seriado e o humor no formato
2.1 – Seriados .......................................... 18
2.2 – Humorismo ......................................... 20
2.3 – Bolaños e o humor politicamente incorreto ......... 23
2.4 – O SBT e a cultura do trash ........................ 28

3 – Elementos de conteúdo adulto presentes nos programas
3.1 – Do malicioso ao político .......................... 34

4 – Análise episódios ................................... 41

Conclusão ............................................... 49
Referências bibliográficas
Anexo





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Ilustrações



Figura 1 ................................................ 14

Figura 2 ................................................ 16

Figura 3 ................................................ 19

Figura 4 ................................................ 25

Figura 5 ................................................ 30

Figura 6 ................................................ 38

Figura 7 ................................................ 40





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Introdução

Na televisão, algumas vezes, existe ausência de compreensão de determinados fenômenos, seja por falta de interesse em estudá-los - até mesmo por preconceito -, seja pela complexidade que a eles se aplica. Roberto Gómez Bolaños é mexicano e pratica as funções de escritor, roteirista, ator, entre outros ofícios na área, sendo consagrado em seu país. Seus programas de TV tiveram seu melhor momento na década de 1970 e eram feitos com produção limitada. Em princípio, não há fatores que contribuam para que ele seja uma pessoa conhecida em todo o Brasil. Mas é.
Quanto a essa fama poucos se arriscam negar que exista. Afinal, quem jamais ouviu pelo menos falar em Chaves e Chapolin?
Por conta desses fatos, muito já se discutiu e estudou acerca do tema e, através dessas análises, inúmeras coisas foram concluídas e compreendidas quanto a tal popularidade. No entanto, há uma variante dentro desse caso que em pouco, ou em nada, foi abordada com profundidade, trata-se da significativa audiência que existe dentre o público que teoricamente não apreciaria os seriados, ou seja, o público já crescido.
Esta monografia visa examinar as características dos programas Chaves e Chapolin que as identifiquem com um público adulto, visto que os roteiros destes seriados contêm uma série de elementos de conteúdo pouco ingênuo e infantil.
Exibidos na televisão brasileira em horários inconstantes pela emissora SBT desde 1984, servem a ela como um recurso de execução fácil e resultados garantidos na disputa com outros canais, já que essas antigas produções humorísticas, importadas do México em acompanhamento a um pacote de telenovelas, sempre mantiveram razoáveis e importantes pontos no IBOPE, êxito esse conseguido ainda hoje no Brasil e em toda a América Latina, além de muitos outros países pelo mundo. Mesmo feitos com escassos recursos técnicos, devido à época em que foram realizados, Chaves e Chapolin atraem não somente crianças, considerado o público alvo, como também pessoas mais velhas, de adolescentes até às de terceira idade.
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A monografia também faz uma relação entre o estilo de humor desenvolvido por Bolaños com a “cultura trash”, que apela para o grotesco, para o mal-gosto e para o humor negro, sendo esta uma explicação para que Chaves e Chapolin suscitem a atenção de um público não-infantil.
Os métodos de estudo adotados consistem em pesquisas de livros, registros e periódicos, através de publicações oficiais e artigos virtuais, avaliando o tema a partir do formato em que se enquadra (seriado), o gênero (humorístico), até alcançar o objeto principal da pesquisa.







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CAPÍTULO I

ROBERTO GÓMEZ BOLAÑOS, O CHESPIRITO, E SEUS PRINCIPAIS PERSONAGENS

1. BOLAÑOS: OBRA NA TV

Roberto Gómez Bolaños nasceu no dia 21 de fevereiro 1929, na Cidade do México. Já adulto recebeu o apelido de Chespirito, uma maneira espanholada de se dizer “Shakespeare” na forma do diminutivo, como referência ao célebre dramaturgo e poeta inglês, dos séculos XVI e XVII , o mais influente escritor da história de sua língua.
O pai de Roberto Bolaños, Francisco Gómez Linares, foi um artista renomado em sua época, quando foi pintor, desenhista e ilustrador de diversos tipos de publicações. Gómez Linares fazia com detalhados trabalhos as ilustrações das capas das então importantes revistas de seu país, El Universal Ilustrado, e Continental, dentre outros trabalhos. Foi o retratista mais bem conceituado do México na década de 20. Ou seja, Chespirito já nasceu próximo do universo artístico.
Apesar disso, o futuro criador e protagonista de Chaves e Chapolin se formou em engenharia, algo que nada tinha a ver com a área com que sempre se identificou, a literatura. No entanto, Bolaños jamais exerceu a profissão pela qual se graduou, e em 1951, aos 22 anos, começou a fazer aquilo que gostava, escrever. Iniciou a carreira em uma publicação chamada D´Arcy. Na segunda metade da década de 1950 Bolãnos tinha intensa atividade como roteirista, escrevia para o rádio, televisão e cinema. Escreveu durante 10 anos os roteiros do bem-sucedido programa de TV Cómicos y Canciones, que logo tinha um concorrente à altura na disputa pela liderança de audiência da televisão mexicana, o Estúdio de Pedro Vargas, que, interessantemente, também era escrito por Chespirito.
Em 1966, já consagrado, Bolaños foi convidado pelo mais famoso comediante mexicano, Mario Moreno, o Cantiflas, para escrever os roteiros de uma série que o mesmo almejava gravar. Mas o projeto foi cancelado devido a questões com o patrocinador.
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No final de 1968 a recém inaugurada emissora de televisão mexicana TIM (Televisión Independiente de México, que mais tarde se fundiria à Telesistema, originando a Televisa) contratou Roberto Gómez Bolaños e liberou o escritor a utilizar todo sábado à tarde o período de meia hora, a seu gosto, dentro do programa Sábado de la Fortuna, que tinha duração de oito horas. Dessa forma Bolaños finalmente tinha seus próprios programas, eram eles: Os Supergenios de la Mesa Cuadrada e Ciudadano Gómez. Essas atrações surgiram no formato de esquetes, com duração de 10 minutos cada, foi aí que Chespirito também se iniciou como ator.
Ciudadano Gómez era algo como uma sátira de Cidadão Kane, criado por Orson Welles. Nele Chespirito aparecia como um cidadão comum, de hábitos normais, em situações corriqueiras, que em certo momento se transformavam em acontecimentos inusitados.
Mas maior sucesso obteve Supergenios, o programa consistia em um grupo que realizava debates de uma forma cômica sobre temas e notícias daquele momento, sugeridas por cartas de telespectadores inventados, eles faziam deboche de personalidades em destaque na semana. Tudo ocorria ao redor de uma mesa quadrada, claro, satirizando os programas de mesa redonda. No programa surgiram os personagens Professor Girafales e Doutor Chapatin (este interpretado pelo próprio Bolaños). Os outros personagens eram: uma jornalista e um engenheiro intelectual alcoólatra (chamado sarcasticamente “ingeniebrio”, que vem de “ingeniero”, engenheiro em espanhol. Ingeniebrio traduzido seria engenhébrio). As piadas já seguiam o estilo dos posteriores Chaves e Chapolin. Os atores eram, além de Bolaños: Ramón Valdés, Maria Antonieta de las Nieves e Rubén Aguirre, respectivamente, os intérpretes de Seu Madruga, Chiquinha e Professor Girafales, do programa Chaves.
Em 1970 o período reservado a Bolaños nas tardes de sábado foi estendido para uma hora, e passou a se chamar Chespirito y la Mesa Cuadrada, foi nessa época que surgiu o Chapolin Colorado.
Como podemos ver, até este momento Roberto Bolaños jamais havia colocado o público infantil como alvo de seu trabalho, muito menos se preocupava em mostrar exemplos educativos às crianças.
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Em seus roteiros, Chespirito sempre procurou retratar personagens marginais, não no sentido meliante da palavra, embora também tenha feito (vide Botijão e Chaveco), mas na conotação literal da palavra, dos que estão à margem: velhos, crianças, profissionais decadentes, malandros... Bolaños faz com que a fome, que poderia ser pretexto para algo lamurioso e panfletário, seja tratado sob uma ótica circense, para fazer rir. (KASHNER, 2004, p.59)

Já em 1971 foi criado o personagem Chavo Del Ocho que, assim como Chapolin, obteve bastante êxito na audiência, de modo que ambos logo tomaram forma de seriado, com meia hora de duração, sendo apresentados um dia da semana cada e em horário nobre. Em 1973 ambos os seriados já eram exportados para vários países da América Latina. No México chegavam a alcançar entre 60 e 70 pontos de audiência, em 1975.
Durante 25 anos os programas de Chespirito foram gravados e transmitidos ininterruptamente, sempre com retorno do público, a ponto de tornar o comediante umas das maiores celebridades da América Latina.
Bolaños sempre manteve atividade em diversos campos artísticos, como no cinema, teatro, literatura, mas todo o sucesso em outras funções foi impulsionado por sua trajetória na televisão. No entanto, em todos esses domínios, jamais teve a criança como o público objetivo, tampouco na vida pessoal. "Roberto Gómez Bolaños [...] confessava não suportar crianças fora das telas, e, após as filmagens, não as via nem pintadas” (JOLY, L; THULER, F; FRANCO, P; 2005, p. 91)

1.1. “EL CHAVO DEL OCHO", O CHAVES

Chaves começou a ser exibido no México em 20 de junho de 1971, e no início era apresentado pelo canal 8, pois esta era a freqüência correspondente à emissora TIM, portanto, batizou-se El Chavo del Ocho (O Chaves do Oito). Posteriormente, Bolaños, e por conseqüência seus personagens, transferiram-se de canal, todavia, o nome já estava consolidado, e assim se manteve.
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Nos primeiros anos muitas coisas no programa eram notavelmente diferentes daquilo que sempre vimos aqui no Brasil, pois os episódios que o SBT detém são gravações somente de 1974 em diante. Nos primórdios haviam diferenças além daquelas referentes aos cenários, à composição e a algumas características dos personagens, pois ainda existiam ensejos de maior violência, exibia-se sangue cenográfico, e existiam até agressões de personagens infantis sobre os adultos. Com algum tempo passado e maior prestígio da série conquistado isso já não era mais visto. Como afirmou Raúl Estrada Majul, coordenador da Televisa Niños, em 2004: “Tenho certeza de que, quando Roberto Bolaños percebeu o impacto dos programas, começou a inserir algumas mensagens, o que chamamos de ‘mensagens positivas’[...] mas isso foi uma coisa posterior." (KASHNER, 2004, p.219)
Os países subdesenvolvidos (na época chamados de 'terceiro mundo') seriam a inspiração para a criação do personagem Chaves. Garoto órfão, largado, que é identificado em qualquer nação economicamente marginalizada. Logo, no enredo, sempre estão presentes os problemas típicos dos habitantes destes países menos privilegiados. Ali eles se roubam, se trapaceiam, se agridem, mas sempre deixando como pano de fundo uma certa união e vivacidade humana que também são características dos povos desfavorecidos.

No cortiço não existe nenhuma família completa, tal como se conhece no ocidente: Dona Florinda e Seu Madruga são viúvos e cada um vive com um filho, Quico e Chiquinha. Dona Clotilde, a Bruxa do 71, é solteira, e Chaves, representa o menino abandonado que um dia chega ao lugar com uma trouxa de roupas e permanece vivendo ali para sempre.
[...] A noção convencional de família se perde, porém, não os laços afetivos. No bairro se reparte a pobreza; se trançam as emoções; se compartilha a desesperança, as brincadeiras, a astúcia, a alegria momentânea. As brigas e agressividade das relações são vencidas pelo carinho. Apesar dos atos hostis, das ações violentas, da analisada indiferença, no ambiente prevalece o positivo.(YGLESIAS, 1990)


O cenário, voluntariamente, representa um cortiço deteriorado e decadente, um ambiente que simboliza o subdesenvolvimento e as condições de vida da classe proletária.

A localização é indicar em que lugar decorre a história. Num bosque? Em Júpiter? Num quarto? Na redação de um jornal? É preciso saber também quais são as características desse lugar, o que tem de especial. Pode ser um bosque; uma montanha ou uma cidade. Mas como é o bosque? Com um arvoredo muito espesso onde a luz mal penetra? E a montanha? Sobre um profundo abismo escarpado? E a cidade?
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É de província e não evoluiu nos últimos anos?
[...]Com isto queremos dizer que o onde não contém apenas um componente geográfico, com oportunos detalhes sobre o cenário, mas também implica um contexto social e histórico. (COMPARATO, 2000, p.121)




Figura 1: Chaves







O total escracho que representa adultos vestidos de crianças torna o programa especialmente cômico, muito mais do que seria se tivesse realmente crianças atuando. Bolaños afirma que nunca pensou em convocar crianças de verdade para representar os papeis: "Não tive a intenção de usar atores mirins por não se tratar de um programa estritamente infantil"(KASHNER, 2006, p.233). Entretanto, está além do simples fato de existir gente grande travestida de meninos estereotipados, não é essa uma simples fórmula, houve todo um contexto favorável, um pioneirismo e originalidade apropriados naquele momento.
Programas brasileiros tentaram seguir seu modelo, fracassadamente, como a Vila do Tiririca, em 1997, na TV Manchete; Miguelito, na Rede TV!, em 2000; além da Vila Maluca, na Record, em 2004. Todos praticavam um humorismo tonto, que normalmente se procura fazer quando se busca a audiência infantil.

[...] Miguelito, uma tentativa brasileira de repetir o sucesso do seriado mexicano. O programa repetia a idéia de adultos representando crianças e trazia personagens muito semelhantes, até em suas caracterizações. Miguelito acabou tendo escassa audiência e ficou somente algumas semanas no ar na RedeTV!

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[...] O malogro de Miguelito só confirmou a premissa de que o êxito não tem fórmula. Chaves, que muito pouco custou à Televisa, foi e segue sendo um sucesso, ao passo que Milguelito, mesmo tendo custado inicialmente de US$700 mil, acabou sendo um fracasso. Em 2004, a RedeTV! lançou Vila Maluca. Pelo título, já é possível perceber a semelhança temática com Chaves. (KASHNER, 2004, p.131)


Vila Maluca também não foi adiante por muito tempo. E mesmo a reedição dos programas de Chaves, gravadas durante os anos 90(denominadas aqui de Clube do Chaves), não vingaram com o público brasileiro. O dublador brasileiro do Clube do Chaves, Cassiano Ricardo, considera alguns fatores que para ele podem ter levado o público brasileiro a não se entusiasmar com os programas. Como podemos ver a seguir em sua opinião, quando da participação que teve em um encontro de fãs, em dezembro de 2007:


[...] olha, em relação ao Clube do Chaves, eu tenho um palpite, uma observação particular, (o fracasso de audiência) foi por conta desse choque estético, a diferença muito grande, por conta da ausência também do Kiko, Seu Madruga. E também porque o Bolaños estava bem mais velho. O que eu fiz (dublando) foi gravado entre 90 e 91, então imagina de 73 pra 91, o que acontece na vida de um adulto, engordou, ficou mais velho...

1.3. EL CHAPULIN COLORADO, O CHAPOLIN

Surgido em 1970, como parte do programa Chespirito de la Mesa Cuadrada, dentro de Sábado de la Fortuna, 'El Chapulín Colorado' não tinha a intenção de ser uma atração infantil. O personagem era uma pessoa comum: baixo, fraco, tapado, medroso, mulherengo. Na história se tornou super-herói quando um cientista agonizava em seu leito de morte e convocou o povo para escolher uma pessoa para ficar com sua mais
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importante descoberta: pastilhas que fazem a pessoa diminuir de tamanho ao ingerir um comprimido, as "pastilhas de polegarina". Para conseguir a posse das pastilhas o indivíduo precisava somente de um requisito: ser honesto.


Figura 2: Chapolin








O seriado seguia a linha dos programas anteriores criados por Chespirito, muitas vezes com conteúdos difíceis de serem entendidos pelas crianças. Um personagem interessante que de vez em quando aparece no seriado Chapolin é o Super-Sam. Vestido com roupas que copiam as do Super-Homem, Ramón Valdés, era quem o interpretava. É claramente uma referência aos Estados Unidos, seu bordão é "Time is money!".
Aparentemente trata-se de uma alusão à influência econômica e política que exerce os EUA no mundo, principalmente nos países da América Latina, de onde Chapolin é o super-herói representante, segundo a descrição do próprio Bolaños. Super-Sam é rodeado desse conteúdo adulto.

Apesar de também ser "do bem", Super Sam é um rival de Chapolin. Sua relação com o Polegar é tão tensa e ambígua quanto a própria relação Estados Unidos-México, um não suporta o outro mas são obrigados a conviver e , em algumas ironias do destino, até agir juntos. É quando a águia, cansada de sobrevoar, se vê obrigada a pousar no cacto, mesmo sabendo tratar-se de uma superfície espinhosa[...] O saquinho (cheio de dólares) é uma arma[...] Quando utilizado, no entanto, não faz o barulho metálico da marreta, e sim o som de uma caixa registradora (som

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que não aparece na versão em português). Não deixa de ser uma crítica
aos valores consumistas de seu país natal, que partem da premissa de que tudo se resume a dinheiro e se resolve com ele.(KASHNER, 2006, p.42)
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Super-Sam talvez seja a mais clara referência de humor com temática adulta presente nos programas de Roberto Bolaños exibidos no Brasil, todavia, suas participações ainda se aplicam a um tipo de humor que tem facilidade de provocar risos seja em quem for que o esteja assistindo, pois jamais abandona o estilo 'pastelão'.
Chapolin não busca ser um bom exemplo, ele foge de situações que possivelmente possam lhe prejudicar, rivaliza com personagens que estão do seu lado na saga (quase sempre por motivos banais), trapaceia quando considera necessário, se sente atraído pelas belas mulheres, mais do que isso, as tenta conquistar.

(...) seu coração parece sempre estar ocupado. Mas a cada vez por uma mulher diferente. Sim, Chapolin é mulherengo (...) Chapolin não pode ver um rabo-de-saia, e “como a carne é fraca”, sempre se insinua às donzelas que socorre. Didaticamente, é possível questionar-se a validade de um programa que mostra fraquezas humanas em um super-herói (...) de que adiantaria mostrar o erro? Não seria antipedagógico? O que se busca é mostrar a humanidade que existe em nós, reconhecendo nossas fraquezas, em empenho por um auto-conhecimento maior do que a simples adoção de uma cartilha de boas maneiras. Sob esse ponto de vista, Chapolin encerra perfeitamente suas atribuições didático-pedagógicas, mesmo que o seriado não pretenda ser um programa educativo, em senso estrito. Mostra que o valor do herói não está em ser destemido (o que pode ser considerado até irresponsável, como é possível observar se tomar como exemplos crianças que morreram ao tentar voar, como fazia o Super-Homem) e sim em enfrentar o medo que sente. (KASHNER, 2004, p.49)
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CAPÍTULO II

CONTEXTUALIZAÇÃO DE SERIADO E O HUMOR NO FORMATO

1. SERIADOS
Tratando-se do meio de comunicação com maior alcance e acesso à sociedade e, logo, o mais influente frente a ela, a televisão constrói e altera conceitos. Por exemplo, o termo ‘seriado’, diferentemente da significação cotidiana, onde essa palavra é um adjetivo que deriva do verbo ‘seriar’ e sugere continuação, na TV é um substantivo que designa um formato de programa narrativo cujos personagens são fixos e o contexto se mantém, porém, não há uma seqüência na história. Não é o que acontece nas séries, onde o enredo força o telespectador a acompanhar um determinado número de capítulos anteriormente para que compreenda aqueles que lhes sucedem, como nas novelas, onde há encadeamento direto entre cada exibição diária. No entanto, as séries, ao contrário dos seriados, costumam ter um tempo determinado de duração e um fim estabelecido para os acontecimentos. Isso também ocorre nas minisséries, populares no Brasil.
Inúmeros seriados de televisão já foram e seguem sendo transmitidos pelas emissoras brasileiras, a maioria vinda de outros países, sobretudo dos EUA, como conseqüência do fato de serem os norte-americanos os maiores produtores mundiais de cinema, pois a qualidade de seus tele-seriados é como um seguimento da indústria cinematográfica daquele país. Algo que fica comprovado quando se vê na TV os rostos dos mesmos atores presentes nos grandes sucessos de bilheteria, a tecnologia semelhante e a penetrante exportação que têm os produtos ligados a eles, entre outras coisas. Da mesma maneira que acontece com as obras da tela grande.
A televisão brasileira, normalmente, não produz grande quantidade de seriados, talvez, por investir muito mais em novelas e séries. Há somente uma modalidade de tele-seriados brasileiros exibidos com freqüência, são os humorísticos. Exemplos: Bronco; Escolinha do Professor Raimundo; A Diarista; Toma Lá, Dá Cá, etc. Isso mostra que quando se ajusta a esse teor o formato tem notável aceitação entre o público do país.
Os humorísticos sempre encontraram no formato das séries, talvez, a melhor maneira
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de exibição, assim, se consagraram nos EUA, O Gordo e o Magro, Os 3 Patetas, Jeanie é um Gênio, e muitos outros. E dessa forma deram margem a que esse formato de programa fosse experimentado em toda parte, normalmente com êxito.
O humor televisivo nacional sempre se fundamentou em programas no molde que costuma ter duração de 30 minutos a uma hora, divididos em esquetes (quadros com duração de poucos minutos), assim foi com os programas Planeta dos Macacos, Jô Soares, Chico Anísio, Os Trapalhões... Eram baseados preponderantemente em bordões pegadiços e de apelo fácil, que logo estavam sendo reproduzidos pela população no dia-a-dia em todo o país.
Existem diversos estilos de tele-seriados humorísticos, um deles é o que reproduz de modo fictício histórias e situações, feitos em maior escala pelos europeus e, principalmente, norte-americanos, o sitcom, que tem cada vez mais se adaptado à televisão brasileira. Há um bom tempo existem muitos programas humorísticos no estilo por aqui.
As séries com modelos inspirados em sitcoms, policiais, para-normais, romances intermináveis, adolescentes e médicos formam um gênero muito bem aceito pelo público dos canais pagos. Ironia, sarcasmo, apelo sexual, relações conjugais, mulheres bonitas, esses são os ingredientes para atrair o publico. (SOUZA, 2004, p.133)
Já na década de 1970, foi sucesso um seriado da Rede Globo que seguia esse estilo, A Grande Família. Nos anos 2000 foi feito um remake do programa, que é exibido na mesma emissora há vários anos, com muita resposta do público. "É um formato-padrão relativamente fácil de produzir. Algumas séries saíram de filmes e comerciais e vice-versa e permanecem no ar por décadas." (SOUZA, 2004, p:133)

Figura 3: gravação de A Grande Família
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Esse é um fenômeno específico que vale análises: Como muitos desses tele-seriados seguem sendo apresentados por anos sem perder o público e conquistando novas gerações?

2. HUMORISMO

Tomás de Aquino afirmou que “O humor é necessário para a vida humana.”.
O escritor, filósofo e poeta norte-americano Ralph Waldo Emerson, considerava que "uma das principais condições para o sucesso é rir com freqüência e amar bastante."

Foi percebendo isso que os profissionais de entretenimento ligados aos veículos de mídia , como rádio, jornais, cinema e televisão, desde o início investiram no humorismo. De fato, não é difícil para qualquer pessoa comprovar nos simples momentos de alegria do dia-a-dia a capacidade que o riso tem de fazer a rotina mais amena, interessante e estimulante. Mas o bom ou mau humor são mais do que "estado de espírito", é fisiologicamente comprovado, segundo dados de pesquisas científícas, "[...]o riso ajuda no transporte de nutrientes e oxigênio para os tecidos corporais, liberando as endorfinas (chamadas hormônios da felicidade), que funcionam como um analgésico natural" (Iskandarian, C; Mattos, F; Salomão, R; Daminelli, V. janeiro/junho 2002).
O senso de humor de alguém está profundamente ligado à sua personalidade, caráter, idade, a algum determinado contexto e até mesmo ao meio social em que este está inserido. Muitas piadas e brincadeiras fazem sentido e são engraçadas para alguns, enquanto que para outros podem nada significar.
Estudos praticados pelo neurocientista e professor da Universidade de Maryland e autor do livro Laughter: A Scientific Investigation (Risada: Uma investigação Científica), Robert Provine, certificam:
[...]O riso é primordialmente um meio de comunicação e socialização e só secundariamente um produto de humor, que deixa de ser visto apenas como manifestação recreativa e passou a ser encarado como fenômeno cultural, social e histórico. Por isso se pode falar de aspectos humorísticos de determinados grupos étnicos, etários
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ou sexuais cuja compreensão é intraduzível de uma para outra. Assim, apesar de o riso ser natural do homem, ele nem sempre ri das mesmas coisas, pelas mesmas razões ou mesmo sozinho. (Iskandarian, C; Mattos, F; Salomão, R; Daminelli, V. janeiro/junho 2002).
Seguindo a mesma linha de raciocínio, o neurologista e membro titular da Academia Brasileira de Neurologia, da Sociedade Americana de Neuroimagem e da Sociedade Européia de Neurologia, Fernando Figueira diz:
As emoções positivas, como o riso, se sofisticam de acordo com o desenvolvimento cultural de cada um. Uma piada 'sofisticada', por exemplo, só vai ser entendida por quem tiver um conhecimento mais avançado. É a cultura que fixa os limites entre o que deve ou não ser objeto de riso, determina a fronteira entre riso e a sociedade e define os papéis e funções de cada um dentro dos conjuntos sociais e culturais. (Iskandarian, C; Mattos, F; Salomão, R; Daminelli, V. janeiro/junho 2002)
Uma prática muito utilizada na atmosfera do humorismo é a ironia, em todos os lugares do mundo onde emprega-se esse estilo apurado de senso de humor ele costuma fazer efeito. Quando se pretende ofender a alguma pessoa, o modo sarcástico da ironia é o mais recorrente. “O sarcasmo configura-se como uma ironia desqualificadora, ofensiva ou até mesmo injuriosa[...] o sarcasmo, que se constrói de modo mais explícito, é sempre um deboche altamente crítico”(dezembro, 2007)
Em Chaves o sarcasmo também se faz presente em vários momentos, o personagem que mais utiliza essa modalidade de deboche é a Chiquinha, porém, todos os personagens o usaram pelo menos alguma vez durante os programas.

A seguir alguns exemplos de sarcasmo em diálogos de Chaves:

Dona Clotilde: Eu não sou nenhuma velha, ouviu? Fique sabendo que eu acabo de passar
dos 45!

Quico: Mas do segundo tempo!
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Dona Florinda e Chiquinha conversam enquanto a primeira estende roupas no varal:

Dona Florinda: Você fala desse novo trabalho do seu pai como se fosse uma coisa tão importante...

Chiquinha: Bom, mas eu espero que algum dia ele faça algo muito importante... como pendurar roupas no varal!


Sendo assim, podemos interpretar a inegável diferença de estilos que há no senso de humor das pessoas dentre as mais variadas etnias e partes do mundo. Por exemplo, aquela que distingue a comicidade dos anglo-saxões e a dos latinos, sobre a qual se referiu o jornalista e escritor brasileiro Ruy Castro: "O humor brasileiro não é semelhante ao humor inglês, que é mais refinado. Os ingleses pigarreiam antes de rir" (Tafuri, D; Kopschitz, I; Monteiro, L. janeiro/junho 2002). Essa distinção de estilos fica bastante manifesta no cinema e na televisão quando vemos e temos como referência os trabalhos do mexicano Cantiflas, ou do brasileiro Mazzaropi, além das também brasileiras chanchadas, e os comparamos com o humor inglês de Mr. Bean, Charlie Chaplin ou do norte-americano Woody Allen, podemos reparar que o humor dos anglo-saxões é nitidamente mais sutil, eles costumam fazer sátiras de si mesmos, ao passo que os latinos preferem fundamentar o riso ao estilo burlesco, mais escancarado, repletos de deboche e até ofensas ao próximo, os latinos apreciam aquilo que é muito conhecido como "pastelão".
Programas de televisão e filmes brasileiros, como os que eram feitos pelos humoristas de Os Trapalhões, ilustram de maneira bastante clara esse modo latino de se fazer rir. "Os Trapalhões é um programa humorístico voltado para crianças que também visa o público adulto, com algumas piadas picantes e apelo sexual[...]" (SOUZA, 2004, p. 113). O mexicano Roberto Bolaños, o Chespirito, acompanha a mesma vertente, esse jeito latino de lidar com o cômico. Assim como os Trapalhões, as produções de Bolaños são tidas como programas infantis. E os mexicanos, como os brasileiros, se utilizam bastante do
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"pastelão" e também são vistos em grande escala pelo público mais velho.
Uma característica interessante em boa parte desses seriados humorísticos é a vinheta de risadas que costumam soltar logo depois de alguma piada, com a intenção de que seja contagiante e possa impelir o telespectador a rir. Dá-se até uma falsa idéia de que existe uma platéia assistindo ao vivo à encenação. Chaves e Chapolin são seriados que adotam tradicionalmente esse tipo de prática.
Esse modo de se fazer humor, ao mesmo tempo ingênuo e um tanto mordaz, ainda que discriminado e tido como pobre e ordinário, incontestavelmente consegue sempre tirar risos das pessoas e cumprir aquela função de tornar seu cotidiano mais leve e suportável e, claro, como conseqüência, alcança sucesso e reconhecimento.

3. BOLAÑOS E O HUMOR POLITICAMENTE INCORRETO

"A própria essência do humor é a completa, a absoluta ausência do espírito moralizador. Interessa-lhe pouco a pregação doutrinal e a edificação pedagógica. O humor não castiga, não ensina, não edifica, não doutrina" (Sud Menucci, Jornalista e professor (1892-1948), autor de "A Crise Brasileira da Educação")

"A fonte secreta do humor não é a alegria, mas a mágoa, a aflição, o sofrimento. Não há humor no céu"
(Mark Twain, Escritor , humorista e romancista norte-americano (1835-1910), sua obra mais importante é o livro "Adventures of Huckleberry Finn")

Na época em que vivemos atualmente a proteção às minorias é cada vez mais adotada e repassada, assim como a defesa dos direitos humanos e dos hábitos considerados socialmente corretos, e isso é o que pregam a mídia, as instituições e a maior parte dos cidadãos.
No passado eram comuns práticas e até mesmo leis preconceituosas e intolerantes,
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porém, muito se evoluiu desde então. Mas nos últimos tempos, paradoxalemente, apesar desse progresso com relação à adoção do respeito às outras pessoas, temos muitas piadas e brincadeiras que se fundamentam no politicamente incorreto e no humor negro, que estão entre as mais bem sucedidas na TV, no cinema, na internet.

O chamado comportamento 'politicamente correto' surgiu no final dos anos 80, mas se popularizou mesmo na década seguinte, no primeiro mandato do ex-presidente Bill Clinton. Tinha a intenção de instaurar na indústria cultural um clima em que ninguém ofendia ninguém. A intenção é boa, claro, mas muita gente temia que isso fosse tirar o humor da face da Terra. O que o tempo está provando, contudo, é: o que gera lucro é mesmo o inverso. Ofensas, agressividade, polêmicas baratas. (HALLACK, 2 de agosto de 2002).

Este êxito, talvez, se dê pelo fato de transgredir, algo que para muitos é um atrativo que acrescenta no efeito cômico desejado. Outro fator considerado para esse sucesso é o psicológico, de acordo com a psicoterapeuta Maria Heloísa Schimith, "A graça está no alívio. Uns se acham feios, outros baixos, gordos ou magros demais. No entanto, ao saber que existem outros como elas ou até pior ficam aliviadas" (Martins, B; Tardelli, E; Contreiras, I; Rusak, R, Janeiro/Junho 2002)
Em programas humorísticos que recorrem a esse tipo de humor é normal que algum personagem que pregue aquilo que é chamado politicamente correto se passe por chato e inconveniente, ao passo que aqueles que desdenham dos outros são divertidos e espirituosos.
Os programas de Chespirito são considerados infantis e de conteúdo estritamente inocente para muitos: “Os roteiros de Chaves são notáveis pelo ‘humor branco’, conseguem fazer graça sem fazer inimigos” (KASCHNER, 2006, p.96). Entretanto, vemos que não é exatamente assim, brincadeiras e apelidos ofensivos são extremamente comuns nesses cômicos mexicanos. “Tampouco o sarcasmo está ausente do seriado, como podemos constatar pelos mordazes apelidos atribuídos aos personagens [...]” (KASCHNER, 2006, p.98).
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Por exemplo, ali Seu Madruga é o “corpo de tripa escorrida”, por ser muito magro; Dona Florinda a “velha carcumida”, Senhor Barriga é o “botijão com patas”, porque é gordo; Kiko é o “bochechas de bulldog velho”, Dona Clotilde, de mais idade, “a bruxa do 71”. Existem ainda inúmeras outras alcunhas bem recorrentes, mesmo que efêmeras, são tão ultrajantes quanto as citadas, e quase sempre se referindo a características físicas.
Certamente todos nós percebemos essa dose de crueldade em Chaves e Chapolin, tanto é que, não raro, repetimos as ofensas criadas por Bolaños no nosso cotidiano.
Agradar a adolescentes e jovens com piadas na televisão, freqüentemente preestabelece a aplicação dessa modalidade de humor mais agressiva, algo que provavelmente não foi pensado nos anos 70, durante a criação dos seriados feitos sob a liderança de Chespirito, ainda assim, hoje, os programas têm aceitação entre muitos dos mesmos telespectadores que apreciam programas de TV como Pânico, Simpsons, South Park.
Tiago Fasano, 26 anos, analista de sistemas e membro de fã-clube que organiza eventos referentes aos programas, compareceu a um encontro organizado pela Chespirito Brasil em São Paulo no dia 1 de dezembro de 2007, vestido como Professor Girafales. Mas, infantilidade nesses fantasiados é algo que não existe. Fasano não se considera um adepto do humor inocente. "Assisto mais aos programas politicamente incorretos, como o Pânico na TV, do que aos infantis. Pode ser que tenha uma associação... Matt Groenning (criador do desenho Os Simpsons) tem um personagem que foi feito em homenagem ao Chapolin, o Homem Abelha."

Figura 4: Os Simpsons satirizam Os Beatles
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Chaves e Chapolin têm sim o humor negro como uma de suas características, claro, dentro das feições que lhe cabem.

'Politicamente correto' e 'politicamente incorreto' - como todo rótulo - acabam abrigando comportamentos distintos sob um mesmo nome. Como o episódio dos 'Simpsons' - que transforma o Brasil em motivo de chacota, o desenho animado 'South Park' - que faz piadas com vegetarianos e deficientes e até o vídeo-game 'Limpeza Étnica'. O jogo é vendido nos EUA pela empresa Resistance Records e o desafio é matar quantos negros e hispânicos for possível antes que o jogador possa descer em uma estação
de metrô cheia de judeus escondidos. Existem diferenças? Pode-se argumentar que não cabe ao humor de 'Simpsons' e 'South Park' ser politicamente correto (ou seja, 'perca o amigo mas não perca a piada').
Enquanto o game, ofensivo, poderia incitar a violência contra as minorias étnicas. Mas o que eles têm em comum, além de serem politicamente incorretos? Vendem. (HALLACK, agosto de 2002).


Um episódio específico do seriado Chaves que pode ser destacado como politicamente incorreto é a história que se passa no restaurante da Dona Florinda, no qual as crianças, Chaves e Chiquinha, atiram uma mosca na tigela de sopa, a fim de insinuar que existe negligência nos serviços do estabelecimento e, após reivindicarem, poderem receber um novo prato sem ter nenhum custo. Trata-se, aparentemente, de um exemplo não muito adequado para as crianças que assistem, pela malandragem que transmite.
Pode ser ressaltado também outro momento nada ingênuo dos programas de Chespirito, onde está presente o eficaz humor negro, agora em Chapolin, mais precisamente em um capítulo da série que homenageia o cinema através de sátiras baseadas em grandes clássicos (O Show Deve Continuar). Na encenação, referente ao famoso filme A Dama das Camélias, de 1937, Roberto Bolaños interpreta Armando Duval; Florinda Meza é Margarete Gautier, e Ramón Valdés é o Monsieur Duval, pai de Armando. A obra cinematográfica é baseada no livro de Alexandre Dumas Filho e tem como tema uma
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história de amor que se passa no século XIX e é dificultada pela doença que sofre a mulher,
tuberculosa. No final do capítulo da paródia há o seguinte diálogo, após Margarete cair morta depois de um acesso de tosse espalhafatoso:


Monsieur Duval: – Morreu?

Armando: – Sim, mas me deixou algo...me deixou algo que vai penetrando em meu peito e que ninguém poderá tirar.

Monsieur Duval:
– O quê?

Armando: – Tuberculose

E lhe segue imediatamente um ataque de tosse quase tão estrepitoso e agonizante quanto o último sofrido por sua falecida amante.

O politicamente incorreto, claro, surge diretamente na contramão do politicamente correto que, por sua vez, se respalda em princípios racionais e justos da democracia que pressupõe aceitarmos as diferenças e convivermos com elas de maneira harmoniosa e livre de preconceitos. No entanto, às vezes, há acusação de repressão de liberdades. Como aconteceu com o Grupo Casseta & Planeta, que foi freado pela lei em brincadeira durante a campanha das eleições de 2008:


[...] Tinoco, o Homem do Toco, mal teve a chance de apresentar sua plataforma. Sem braços e pernas, ele anunciava: “ você me conhece, eu sou o Tinoco, o Homem do Toco. Vote em mim que eu não vou meter a mão. E se eu roubar, não vou conseguir fugir”. Bastou uma apresentação e Tinoco foi banido do Otário Eleitoral Gratuito, chacota do humorístico Casseta & Planeta (TV Globo), para a versão real do programa. Membros

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da Comissão dos Direitos Humanos da Ordem doa Advogados do Brasil
(OAB) do Rio de Janeiro consideraram o personagem profundamente preconceituoso. (PADIGLIONE, setembro de 2008 )



Assim como qualquer preceito moral da sociedade, a cultura do politicamente correto acaba instigando muitas pessoas, sobretudo adolescentes e jovens, a ‘infringi-la’, dada a natural impressão de se tratarem de valores caretas e enfadonhos.
No campo do humor isso se dá de maneira muito mais categórica, pois ele tem nas restrições uma espécie de incentivo . Isso pode gerar mal estar (como no caso dos humoristas do Casseta & Planeta) quando se hostiliza gêneros relevantes da sociedade que muito já sofreram com a exclusão ao longo da história, como mulheres, negros, deficientes físicos e mentais, gays, judeus, entres outros. Mas é difícil fugir disso, pois, como disse o humorista francês Pierre Daninos: “O humor é uma caricatura da tristeza”.
O politicamente incorreto e o humor negro garantem risadas de quem vê ou ouve, entre outras razões, por chocar e provocar indignação, aumentando a diversão de seus entusiastas muito além da piada em si. Não que a legitimidade dos atos praticados pelos partidários do politicamente correto seja contestada, mas, quase que naturalmente, eles acabam fomentando o ânimo dos gozadores e piadistas.
A parcela de telespectadores de Chaves e Chapolin que já não é criança precisa de algo além dos simples e singelos gracejos desses seriados, precisa também da gozação, do deboche, para assim realmente achar graça nos programas. Hoje, Bolaños se aproveita disso de alguma forma com suas já velhas, porém, não antiquadas produções, realizadas em uma época em que o politicamente correto ainda não estava na ordem do dia.


3.3. O SBT E A CULTURA DO TRASH

A cultura jovem nos anos 2000 apresenta como uma de suas tendências o hábito de aderir àquilo que sempre costumou ser classificado na esfera do mau gosto, coisas como filmes realizados com baixo orçamento e roteiro pouco trabalhado, cantores considerados
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bregas, ou aquilo que já está fora de moda, enfim, a arte que beira o amadorismo. Como exemplo, podemos citar o disco Tributo a Odair José, apenas com músicas do cantor, lançado em 2006. Nele artistas e bandas que preponderantemente têm o público jovem ou ‘cult’ como seus admiradores, tais como Paulo Miklos, Pato Fu, Mundo Livre S/A, Columbia e Zeca Baleiro interpretam as canções, com músicas como 'Eu Vou Tirar Você Desse Lugar' e 'Que Saudades de Você', adaptadas em seus arranjos e melodias a uma roupagem nova e moderna. O álbum tem a juventude como o seu consumidor principal. "Dizer que o velho brega (aquele de Odair e Cauby), depois do novo brega (aquele do Calypso do Pará), virou preciosidade cult já é repetir um clichê. O gênero deixou de passear no campo da pseudo-inteligência e já atingiu estado de moda." (NOGUEIRA, 2006). Esses temas originalmente ridículos tornam-se ‘cult’ quando deixam de ser marginalizados e passam para a condição de moda do momento.

Todas as correntes de pensamento que elaboram teorias sobre a Cultura de Massa parecem operar com eixos que envolvem sempre pares binários, opositivos, polares e assimétricos. Um eixo opera com os pares binários – cultura superior e cultura de massa: e o outro eixo opera com outros dois opostos – cultura popular e cultura pop. Ambas as posições, independentemente de quais referências estão em relação opositiva, demonstram a estratificação na produção da cultura, de um lado; no consumo, a subordinação de produtos culturais a uma hierarquia determinada pelo padrão estético da elite, de outro.(JOSÉ, 2002, p:20).

O SBT tem a fama de ser a emissora de televisão brasileira que se identifica com esse estilo. Silvio Santos copia rigorosamente formatos de programas estrangeiros (quase sempre norte-americanos), mesmo que estes estejam ultrapassados no país de origem. Neles costumam participar artistas que há muito não freqüentam a mídia. Telenovelas mexicanas também ocupam grande parte da grade de programação da emissora, que não poupa esforços em trabalhar o marketing sobre elas. A emissora toma essa postura desde sua inauguração."Fixou-se de imediato uma filosofia de trabalho. A televisão é um instrumento de diversão e, ao mesmo tempo, de difusão cultural para as classes populares. A política seria dirigir a programação para
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as classes B2, C, D1, que representam 61% da população com mais de 15 anos." (SILVA, 2001, p. 79).
É conhecido o hábito de Silvio Santos de interferir na grade programação do SBT com muita freqüência e sem prévios avisos, trocando horários, sacando do ar programas recém-estreados, fazendo, assim, com que a emissora não tenha um padrão definido quanto à organização, e dessa maneira confunde o telespectador em várias ocasiões. Ainda assim, esse tom de amadorismo muitas vezes funciona, e Silvio Santos obtém os resultados que deseja.
"Possivelmente pela forma instintiva e naif como sempre foi conduzido, o SBT conseguiu gozar da simpatia do povão. Não há como negar, para o bem ou para o mal, que é a rede de televisão que mais se parece com o Brasil. Sobre ela, jamais pairou a rejeição que durante muitos anos acompanhou outras emissoras." (HOINEFF, 2005 ). Seguindo esse modelo grotesco, denominado de forma pejorativa por uns e por outros com o caráter de "cult", Chaves e Chapolin são comédias que levam a cabo o estilo ‘pastelão’, feitas sem muitos recursos e em uma época sem grandes tecnologias (interessante também citar aquilo que podia se evitar, mas não interessava a Bolaños, exemplo, o fato de que não havia marcação no cenário, os atores faziam sua atuação no ponto que consideravam conveniente), são, portanto, aos olhos de boa parte das pessoas que os vêem hoje, produções toscas e grosseiras.


Figura 5: Efeito especial
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Além das características não tão estéticas do original, ainda colaborou para essa imagem a dublagem, que muitas vezes era improvisada, como nas adaptações que eram feitas da realidade do México para a do Brasil.
Para Cecília Lemes, dubladora de Maria Antonieta de las Nieves (a Chiquinha), em conversa realizada durante a participação dos dubladores no encontro realizado pelo fã-clube Chespirito Brasil em dezembro de 2007, as coisas eram feitas sem maior organização “Eu acho foi que foi feito na hora pelo próprio Marcelo Gastaldi". (Gastaldi foi o diretor dos trabalhos de dublagens e as vozes brasileiras de Chaves e Chapolin).
Nélson Machado, co-diretor das dublagens e voz do personagem Quico nas versões brasileiras, presente no mesmo encontro, relatou sobre a tentativa feita na época pelo SBT de adaptar os seriados ao universo brasileiro:

Tinha uma certa orientação do SBT de abrasileirar praticamente tudo...em princípio era autorizado pra novelas. Foi feita a primeira novela mexicana dublada no Brasil que era Os Ricos Também Choram. Nessa novela, foi uma ordem do Sílvio, tudo ali tinha que parecer que era Brasil (...) claro, as novelas eram feitas na cidade do México, não podia aparecer São Paulo.


Um exemplo conhecido está em uma das histórias onde toda a turma viaja para o litoral, nesse enredo há continuação e ligação entre os episódios: “O período em que dublou os episódios em que eles foram pra Acapulco e chamamos de Guarujá, depois nos outros episódios chama de Acapulco mesmo”, lembrou Nélson Machado.
Mas após um período de trabalhos já passado, as dublagens ganharam qualidade e começaram a ser consideradas como muito coerentes com os diálogos originais. Como relatou o dublador Nelson Machado: "[...] de um momento pra frente, as coisas começaram a vir no roteiro, no começo não, as coisas eram meio assim ‘não, o quê que eu falo daqui?’, ‘ah, fala não sei o quê’, ‘acho melhor não sei o quê’ e aí se chegava a um consenso."
Mesmo no início dos anos 80, quando chegou ao Brasil pelo SBT, diretores da emissora já alimentavam esse conceito de que os seriados eram de baixa categoria. “[...] ninguém acreditava que Chaves pudesse emplacar. Todos achavam aquilo um seriado
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brega, mal feito, uma coisa sem graça.”. (SILVA, 2001, p. 79)

Todavia, Sílvio Santos insistiu na idéia de levá-lo ao ar.

Há quem não goste de Chaves. Algumas pessoas consideram o seriado precário, tosco na forma ou de mau gosto e piegas no conteúdo. Falando sobre quem tachava o programa de “bobo”, Chespirito disse que "bobo era quem pensava assim, mas isso sempre aconteceu. Quando eu era criança, os adultos diziam que Chaplin e o Gordo e o Magro eram bobos, e agora reconhecem que não é assim"(Fonte: Entrevista de Chespirito concedida por meio de chat nos jornais online ...). Há que se considerar também a desconfiança, quando não intolerância, aristocrática para com a cultura de massa, muitas vezes considerada “subcultura” pela burguesia. Nesse caso, não seria aceitável gostar de Chaves, funk, banda Calypso, ou qualquer produto que fosse enquadrado dentro da cultura de massa, vista como inferior. (KASCHNER, 2006, p.112)

Chaves e Chapolin se enquadram de certa forma nesse padrão do ‘trash’ que se torna ‘cult’, pois, atraem muitos admiradores, mesmo que esses reconheçam a deficiência de qualidade nas produções.

Por falta de recursos na fase inicial do seriado, Bolaños precisou economizar custos e a cenografia teve que ser feita com materiais baratos, como isopor e papelão.

[...] O visual simplório acabou se transformando numa característica marcante, de identificação do seriado. A estética low-tech – da concepção cenográfica à edição, – antítese do padrão hollywoodianos, parece traduzir a principal mensagem do garoto Chaves: pobre por fora, mas riquíssimo por dentro. As carências técnicas foram, e ainda são, um tempero do seriado. Tanto que, décadas mais tarde, os atores juntaram-se para regravar o seriado, como quadro do programa Chespirito. Utilizaram-se, no entanto, de uma estrutura técnica bem menos precária, e o resultado foi a queda na audiência. (KASCHNER, 2006, p. 88)

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Um fenômeno semelhante que pode ser mencionado ocorre com a extinta banda de música pop sueca ABBA, que foi bem sucedida nos anos 70, mas sempre sob a sombra do mau gosto e do brega, porém, mesmo depois do fim, jamais deixou de vender álbuns, tocar nas rádios e ser conhecida pelas gerações posteriores. Hoje, mais do que em qualquer outra época, isso ocorre em todas as partes do mundo com a obra deixada pelo ABBA:

Por que uma banda considerada ridícula e comercial na década de 70 pontifica hoje como a maior inspiração pop?
[...] E lá se vão as canções de sempre de novo para as paradas de sucesso. O hit dançante brega (ou cult) “Mamma Mia!” é a música mais executada no mundo hoje. [...] Há pelo menos três razões (aqui interessam duas delas). A primeira se refere ao poder antecipatório dos artistas. Se muita gente não entendia a estética do ABBA nos anos 70, o tempo mostrou que a banda era precursora da moda da música dançante.[...] A segunda razão tem a ver com a colocação do produto. Nem sempre o que é ruim vira clássico, ou vice-versa, no caso do ABBA, a insistência de Benny & Björn em transformar a música em um hit gerou um círculo virtuoso de consumo. Colou como hit. (GIRON e PIEMONTE, setembro de 2008).


Presumimos, assim, que essa insistência que dá origem ao “círculo virtuoso de consumo” e faz o objeto “colar como hit” também pode ser considerada no SBT com os programas de Chespirito, dadas as incessantes repetições dos episódios ao longo de muitos anos. Mais do que isso, podemos dizer que há uma correlação quase natural entre o SBT e os programas Chaves e Chapolin, “As séries são adquiridas pelas emissoras brasileiras de acordo com suas características e o perfil da sua programação.” (SOUZA, 2004, p.131)
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CAPÍTULO III

ELEMENTOS DE CONTEÚDO ADULTO PRESENTES NOS PROGRAMAS

1. DO MALICIOSO AO POLÍTICO

Antes de analisar o teor adulto de Chaves e Chapolin, é importante situar as funções, finalidades e efeitos da programação televisiva infantil, já que é assim que muitos classificam os trabalhos de Bolaños.
Existe a polêmica sobre se a televisão tem o papel de educar ou entreter. A tendência, no entanto, é que as emissoras optem por divertir o telespectador, sem muitas obrigações instrutivas ou pedagógicas, principalmente os veículos privados, que têm metas comerciais. Sobre isso Raúl Estrada Majul diz:

De que adianta fazer programas educativos que ninguém vê? É só comparar a audiência da Rede Globo com a da TVE. Há dois tipos de educação, a formal e a informal. A formal deve ser um trabalho exclusivamente das ONGs e do governo. Pelo menos no México a Televisa não tem a obrigação de educar formalmente a ninguém. Esse não é nosso trabalho, somos comerciais. Me pagam para vender, esse é o meu trabalho. Em se tratando de formação, o que os pais ensinam a seus filhos, essa é a educação não-formal. (KASNHER, 2006, p.220)


Existe também, em alguns casos, uma falta de critério quanto a conteúdos exibidos em determinados horários. Por exemplo, em 2002, a Rede Record tinha em sua grade o programa infantil Eliana & Alegria, que ia ao ar de segunda à sexta-feira, às 14 horas. Durante um considerável período o infantil tinha entre suas atrações o desenho de proposta eminentemente adulta Uma Família da Pesada (do original, Family Guy). Esta animação, que critica o estilo de vida da classe média norte-americana, tem várias passagens com pensamentos políticos, maliciosos e até eróticos. Atualmente é apresentada na Rede Globo, nas madrugadas de sábado para domingo, por volta das 3 horas da madrugada. Family Guy segue a linha de Os Simpsons, muito conhecido e, ainda que mais ameno que Uma Família da Pesada,
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não deve ser considerando um seriado animado feito para crianças, mas normalmente é, tanto que há muito tempo é exibido nas manhãs da Rede Globo, no TV Globinho.
Poucos são os programas de TV, em geral, que se preocupam com a formação pessoal e moral de seu público. Entretanto, quando se trata daqueles que visam a criança, isso é diferente, pois, nesse campo, a proporção de produções educativas é muito maior comparando-se com aquelas que buscam apenas a recreação. É claro que, basicamente, são as emissoras públicas e educativas que se interessam e veiculam temas pedagógicos, haja vista a TV Cultura, que tem a maioria de sua grade de programação destinada à criança. Vale destacar a responsabilidade que deve ser atribuída a quem se dispõe realizar esse tipo de trabalho. Vemos programas essencialmente didáticos e preocupados com o aprendizado infantil, como Vila Sésamo, nas suas versões antigas, e também nas mais recentes, neles existem conteúdos cuidadosos, adquiridos através de estudos e pesquisas, buscando o bom desenvolvimento mental da criança.

Nenhum outro gênero de televisão reúne na produção tantos profissionais de diferentes áreas quanto o infantil; em algumas produções psicólogos, educadores, médicos e profissionais de educação física são consultados pela equipe de TV. Na tela e fora dela, também discutem a importância dos programas infantis, juntamente com os pais. (SOUZA, 2004, p.114)

Roberto Bolaños nunca teve a preocupação de se preparar para formar mentalmente crianças ou quem quer que fosse, segundo Raúl Estrada, Bolaños costuma dizer: "não escrevi para fazer uma resposta nem para educar. Escrevi simplesmente para divertir as pessoas." (KASNHER, 2004, p.219). Podemos ver em Chaves que as crianças pronunciam freqüentemente palavras de maneira errada, e na maioria das vezes sequer são corrigidas, passa naturalmente, ou quando são repreendidas pelo erro a lição também consiste em uma imperfeição. É inerente a esses seriados o desrespeito das crianças com relação aos mais velhos, ali os insultos e as ofensas aos adultos não faltam, partindo dos personagens ficticiamente mirins. Também existem nos programas algumas passagens de texto com
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certa dose de malícia, como já citou-se. Mas tudo isso faz parte do espírito dessa comédia.
"Os programas (infantis) de hoje estão muito preocupados com o conteúdo, e passar um mensagem educativa. Antigamente não era assim. Chaves é um exemplo de que, cuidando para que não cause mal a alguém, basta divertir e está tudo bem." (KASHNER, 2006, p.219)
Ainda que se discuta se os programas idealizados por Bolaños sejam ou não de essência infantil, ou se os adultos que os apreciam sejam possivelmente nostálgicos da infância, algo que deve ser levado em conta e que a sociedade costuma tentar encobrir se refere ao fato de as crianças não serem tão ingênuas e inocentes quanto se diz, e na atualidade menos que antigamente. Portanto, mesmo sendo Chaves e Chapolin seriados que não visam apenas a criança, os temas mais adultos também podem as atrair, ainda que contenham alguma malícia. Bolaños disse: “Meus programas não são infantis, como muitas pessoas querem classificar. Meus programas são para toda a família. Minha forma de fazer rir é sã, mas não isenta as picardias. Só que sempre com bom gosto e respeito” (KASHNER, 2006, p.98)
Sobre essa suposta pureza infantil que historicamente afirma-se existir, análises foram feitas e chegou-se a descobertas que as sociedades geralmente renegam através do conservadorismo, da religião e de inúmeras outras doutrinas que rechaçam a volúpia infantil como algo real. Freud esteve entre os pioneiros que detectaram e expuseram tais conhecimentos.

[...]Ele (Freud) postula um sujeito que escapa ao controle da educação ao propor uma criança. [...] Desfaz a aura de imaculada castidade erguida ao redor das crianças, porque se supunha que o estado de pureza era o seu estado natural, e abala essa idealização da infância. Contesta a concepção de infância como sendo um período calmo e tranqüilo ao enfatizar que as crianças também precisam achar sentidos para muitas questões e enigmas que geram muita ansiedade, como “de onde viemos”, “para que estamos aqui”, “para onde vamos”, “o que é a morte, o sexo, a maldade, a rejeição, o desejo, o limite, o amor”, ou seja, enfatiza que elas também vivem conflitos e contradições diante de questões essenciais do ser humano diante de si mesmo e dos grandes mistérios da vida e do universo.
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Com o poder de sua obra e com a amplitude e a audácia de suas especulações, Freud abalou e revolucionou o pensamento e as vidas de uma era. Com seu trabalho, ele contestou e continua contestando tabus sociais, culturais, religiosos e científicos.(PRISZKULNIK, abril. 2004)

De acordo com dados constatados pelo instituto de audiência mais respeitado do país, o IBOPE, programas de TV com destinação adulta são os mais vistos pelas crianças. A publicação revela que a atração mais assistida atualmente entre o público de 4 a 11 anos de idade é a novela da Rede Globo que começa após às 21 horas, A Favorita. Na seqüência vem o humorístico Casseta & Planeta, também da Rede Globo, e logo após está o seriado A Grande Família, como o terceiro entre os mais acompanhados pelos infantes. Chaves é um dos programas da televisão aberta mais vistos pela audiência que tem de 4 a 11 anos. Porém dentro de sua emissora, o SBT, ele fica atrás do semanal Domingo Legal, que é o preferido das crianças no canal paulista, e logo em seguida está o Sábado Animado, este sim infantil. Depois, finalmente, temos o seriado Chaves. (JIMENEZ, 12 de outubro de 2008)
Ainda segundo números recentes coletados pelo IBOPE, com os programas Chaves e Chapolin sendo exibidos, respectivamente, às 12:45 e 13:15 horas, 74% do total da audiência de Chaves foi composta de maiores de 12 anos de idade, e dentre estes adolescentes e adultos, 71,6 % eram maiores de 18 anos. Com Chapolin a proporção foi de 76% de telespectadores com mais de 12 anos, sendo que 69, 7 % deles com mais de 18:
Chaves:





Chapolin:




Fonte Ibope - Telereport/MediaQuiz - PNT de 28/04 a 25/05/08 e GSP de 12/05 a 08/06/08. Dados Individuais e Domiciliares.
Obs.: A participação refere-se ao total de ligados composto por todas as emissoras abertas
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Figura 6: Elemento político em Chapolin






Para a mexicana Yollolxochitl Mancillas Lópes, licenciada em Etno-história pela Escuela Nacional de Antropologia y História, na Cidade do México, em entrevista concedida via internet (através do MSN e e-mail) no dia 4 de setembro de 2008, os programas não têm conteúdo adequado para as crianças de seu país. A seguir, pontos principais da entrevista:

Para você, o que faz as produções de Bolaños fazerem sucesso por tão longo período?

No caso do México, o êxito de Chespirito aconteceu pela identificação das massas populares da sociedade com os personagens, os quais vivem imersos em uma cultura de pobreza característica da zona urbana do México.

Como você define os fãs de Chespirito?
É o povo mexicano de classe média e baixa.

Chaves e Chapolin são classificados como programas infantis. Você considera que são feitos estritamente às crianças?
Não os considero programas para crianças, pois a problemática que satirizam é mais complexa, e não para um público infantil.
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Normalmente os programas de TV de cunho infantil são estimulados a dar bons
exemplos às crianças. Você acredita que Chaves e Chapolin cumprem esse papel?

Não considero esses programas como bom exemplo, pois são um embuste aos setores baixos da sociedade mexicana, mostrando estes como ignorantes e sem aspirações

Você considera Chaves e os demais programas de Chespirito como uma metáfora social?
São uma metáfora social, mas da idiossincrasia do mexicano.


A seguir, exemplos de diálogos com conteúdo mais difícil e maduro em Chaves:

Dona Clotilde: Professor Girafales! Na sua idade, brincando de amarelinha?!
Prof. Girafales: Nem estou brincando de amarelinha, e nem tenho tanta idade quanto certa pessoa de quem não quero falar o nome, mas estou vendo agora!
Dona Clotilde: Olha, Professor... se eu fosse a Dona Florinda, colocaria veneno em seu café!
Prof. Girafales: Se a senhora fosse a Dona Florinda, eu tomaria esse café!



Professor Girafales: Altruísta é um homem que ama os outros homens
Seu Madruga: Ah bom, é que aqui chamamos de outro nome...



Chiquinha: Não, papai. Tem a Alemanha Ocidental e 'Ocipital' (ela não fala corretamente este termo)
Sr. Madruga: Continuo afirmando, Alemanha só existe uma, é a mesma coisa. Só que de um lado bebem cerveja e do outro bebem vodca
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Exemplos de diálogos com conteúdo mais maduro ou malicioso em Chapolin:

Velho: Batmaaan!
Neta: Vovôzinho, por favor, o Chapolin Colorado é o herói da América Latina!
Velho: Então há uma razão para estarmos subdesenvolvidos. Por isso que está aí essa crise!


Júlio César: Se tu morresse e voltaste a nascer-te, que animal gostaria de ser-te?
(Pausa silenciosa)
Júlio César: Te perguntei, Marco Antônio. Se tu morresse e voltaste a nascer-te,
que animal gostaria de ser-te?
Marco Antônio: Sim, eu ouvi. É que estou tentando me lembrar o nome do marido
da Sophia Loren

Velho: Cuidado, Dr. Chapatin! Na sua idade bater a cabeça assim pode ser perigoso
Dr. Chapatin: Está insinuando que sou velho?
Velho: Não, mas é que eu tenho a impressão de que você conheceu a minha vozinha
Dr. Chapatin: E você nem imagina onde


Figura 7: Fã-Clube de adultos
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CAPÍTULO IV

1. ANÁLISE DE EPISÓDIOS

CHAVES:

O DIA INTERNACIONAL DA MULHER

Sinopse: No cenário habitual, a vila, tudo começa com Chaves brincando improvisadamente de baseball. Logo, Quico se junta a ele, Chiquinha fica de fora por ser menina e começa a bradar sobre os direitos das mulheres, pois tudo passa-se no Dia Internacional da Mulher, comemoração que ela faz questão de repetir durante todo o episódio. Em determinado momento, uma linda mulher chega à vila procurando uma casa para morar, despertando o desejo de Seu Madruga e, conseqüentemente, os ciúmes de Chiquinha, de um modo que ela chega ao ponto de questionar o caráter e a índole das mulheres, as quais, pouco antes, dizia deverem permanecer unidas nessa data. Segue-se a isso a briga de Seu Madruga com Dona Florinda, que chega à agressão física. Além da investida apaixonada de Dona Clotilde com relação a ele, que contrapõe-se, demonstrando repulsa. Também há as paqueras de Seu Madruga em direção à moça que recentemente surgiu na vizinhança.
Machismo, ofensas, libido sexual, trapaças, agressões. São elementos dignos de atenção presentes do episódio.
A seguir a transcrição dos elementos avaliados como mais adultos ou não-educativos presentes no episódio:

- Chaves: Sim, mas estou fazendo de conta que aqui é o campo de baseball. A vassoura é o taco e essas tampinhas são as bolas.
Agora sim, o campeão de baseball se prepara para uma tremenda... Mais uma piadinha e vou te mostrar com quantos paus se faz uma canoa (diz para Chiquinha)
Chiquinha: Ah, Chaves, tá vendo como você é?! Você acha que eu seria capaz de uma
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coisa dessas? Claro que não
(Quico chega com seus brinquedos caros, fazendo inveja para o carente Chaves) CONTRASTE DE CLASSES SOCIAIS
Chaves: Que tacão! Me empresta?
Quico: Sim

- Chiquinha: Bem, e eu? O que faço?
Chaves: Não, mulheres não jogam baseball
Chiquinha: Como? Nunca ouviu falar da liberação da 'mulher feminina'?
Chaves: O que é isso?
Chiquinha: Que de hoje em diante, nós mulheres não temos que pedir permissão dos homens para cometer as barbaridades que cometíamos quando não nos davam permissão
CITAÇÃO MACHISTA

- Quico: E isso significa...
Chiquinha: Que de hoje em diante as mulheres vão trabalhar e os homens vão ter os filhos
Quico: E não vale continuar solteiro?
Chiquinha: E tem mais, se uma mulher queira casar-se com você, difícil. Não se preocupe, Quico, creio que não vai acontecer com você.
Com você sim, Chavinho, pode ser que um dia você tenha a honra de se casar comigo
Chaves: Por que eu sempre tenho que ficar com a pior parte? Tudo eu... DESPREZO EXPLÍCITO EM RELAÇÃO AO OUTRO

- Seu Madruga: Então hoje é o Dia Internacional da Mulher, não?
Chiquinha: Sim, papai. Não sabia?
Seu Madruga: Sabia sim, andei lendo no jornal. Li que se juntaram para fazer umas fofocas...digo, digo que se juntaram para fazer umas reuniões, etc, etc... CITAÇÃO MACHISTA
- Seu Madruga: Bom, e por que todos te batem? Por que você sempre se mete onde não
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deve. Devia aprender comigo, que nunca me meto onde não devo
Chaves: Isso é impossível, não existe lugar onde o senhor não deva. Onde não deve 40 deve 50, onde onde não deve 70 deve 80... MENÇÃO COMPLEXA DE SER ENTENDIDA POR UMA CRIANÇA

- Dona Clotilde: Obrigada
(Entrega o bolo prometido)
Espero que goste
Seu Madruga: Obrigado
Dona Clotilde: E à tarde eu o encontrarei, para que possamos comê-lo juntos. Adeus, Mamá!
(Seu Madruga se arrepia demonstrando asco) DESPREZO EXPLÍCITO EM RELAÇÃO AO OUTRO

- Chaves: Está desenhando um avião?
Chiquinha: Claro que não, não sabe que hoje é o Dia Internacional da Mulher?
Chaves: E o que tem a ver?
Chiquinha: Que não é um avião, é um avioneta
Chaves: Dá pra notar que você herdou o sangue ruim do seu papai
(Seu Madruga o surpreende)
Seu Madruga: Como é?
Chaves: Não, ela não herdou nada. Ela é bem simpática MENÇÃO COMPLEXA DE SER ENTENDIDA POR UMA CRIANÇA

- Seu Madruga: Então venha aqui, vou te explicar. Daqui a pouco vai chegar a senhorita que veio hoje de manhã
Chiquinha: Ah, sim
Seu Madruga: O que que foi, que que foi, que que há? Saiba que está enganada se está pensando que existe algo entre ela e eu
Chiquinha: Que pena, não?
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Seu Madruga: Você acha?
Chiquinha: Vontade não lhe falta IRONIA

- (Chaves se apetece com o bolo)
Chiquinha: Não, Chaves! Não, não, não pode comer, esqueceu que quem fez foi a Bruxa do 71?
Chaves: Aí, é mesmo!
Chiquinha: E se você se transforma em uma minhoca de água parada?
Chaves: O senhor já provou, não foi? DESRESPEITO COM RELAÇÃO AO ADULTO
(Se referindo a Seu Madruga)
Seu Madruga: Você vai me deixar falar sim ou não?
Chaves: Sim
Seu Madruga: Bem, quando chegar a Bruxa do 71, digam que eu morri
Chaves: Ah, o senhor já se fantasiou de esqueleto DESRESPEITO COM RELAÇÃO AO ADULTO

- Chiquinha: Bem, e se chegar a mamãe do Quico?
Seu Madruga: Se chegar a mamãe do Quico você, você...
(Olha para o bolo e em seguida para a câmera com expressão perversa)
O que vocês acham de jogar o bolo nela? MALANDRAGEM

- Quico: Foi a primeira, Chaves, aí vem a minha mãe
Chaves: Sua mamãe é a segunda, para ela o quê?
Quico: Entre
Chaves: Entre, Seu Madruga está esperando
Dona Florinda: Ah é, masoquista... e eu sádica MENÇÃO COMPLEXA DE SER ENTENDIDA POR UMA CRIANÇA
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CHAPOLIN - O RACHA-CUCA

Sinopse: Em um cenário de velho oeste, um bandido típico apavora a população, os comerciantes, e até o xerife locais, que não têm coragem nem condições de impedir as atrocidades do criminoso. Dessa forma, Chapolin é invocado para dar um fim a isto. Claro que, durante os acontecimentos, em vários instantes ele demonstra covardia e interesse pela bela mulher, filha de Racha-Cuca.
Ofensas, libido sexual e agressões também estão presentes no episódio, além de aparição de bebida alcoólica, fumo e citações não muito compreensíveis a crianças.
Abaixo a transcrição dos elementos avaliados como mais adultos ou não-infantis do episódio:

- (Banqueiro perde a conta extasiado pela beleza da moça) VOLÚPIA QUE REMETE À SEXUALIDADE
Banqueiro: Um, dois, três, quatro, cinco...
Moça: Não, não, não é preciso contar de novo, a soma está correta
Banqueiro: Escute eu vou lhe pedir um favor, tenha muito cuidado quando sair com esse dinheiro pela rua, porque chegou na cidade um bandido que é muito perigoso
Rosa, a Rumorosa: Uhum, eu sei, é o Racha-Cuca
Banqueiro: Exato, você o conhece?
Rosa Rumorosa: Sim, é meu pai
(Assustado, o banqueiro se atrapalha e deixa cair o charuto da boca dentro do saco de dinheiro) EXIBIÇÃO DE ARTIGO DESCONSELHÁVEL

- (A moça sai do banco provocando o desejo dos homens que estão na rua) VOLÚPIA QUE REMETE A SEXUALIDADE
Rosa, a Rumorosa: Bom dia, Xerife!
Xerife: Bom... bom dia, senhorita! Como...como tem passado? É um frio hoje, hein?!
(Nervoso)
Bom, eu vou chegando, com a licença!
(Bate o rosto em uma pilastra ao sair, em seguida ouvem-se tiros saídos do 'Saloon' e
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todos fogem, menos Rosa Rumorosa e o Xerife, que grita em direção ao bar) VOLÚPIA QUE REMETE À SEXUALIDADE

- Racha-Cuca: Isso é um assalto, vovô!
Banqueiro: Sim senhor! Sim senhor! Sinta-se à vontade, como se estivesse em sua casa
Faz muito tempo que não temos o prazer de ver o senhor por aqui
Racha-Cuca: Eu tenho tido trabalhos em outros estados APOLOGIA À MALANDRAGEM
Banqueiro: Ah, sim, entendo, entendo
Olha, o senhor não gostaria de levar mais alguma coisinha? Veja, nós temos cheques de viagem, obrigações reajustáveis do Tesouro... MENÇÃO COMPLEXA DE SER ENTENDIDA POR UMA CRIANÇA

- (No Saloon. O Xerife e o Banqueiro falam ao mesmo tempo enquanto o dono do bar serve dois copos de cerveja e um de leite) EXIBIÇÃO DE ARTIGO DESCONSELHÁVEL (TAMBÉM SE FUMA CHARUTO NO LUGAR)

- (Rosa, a Rumorosa entra no recinto, despertando imediato interesse de Chapolin por sua beleza)
Banqueiro: Polegar, você sabe quem é essa moça? Ela é filha de...
Chapolin: Shiiii
Banqueiro: Bom, mas é que não sabe...
Chapolin: Shiiii
Banqueiro: É que ela é...
Chapolin: Shiiii
Banqueiro: É que ela...
Chapolin: Shiiii
Banqueiro: É...
Chapolin: Shiiii
Banqueiro: Filha...
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Chapolin: Shiiii
Banqueiro: Ahhh...
Xerife: Saúde!
(Resignados, os dois brindam, enquanto Chapolin vai cortejar a moça)
- Chapolin: Eu já volto
(Querendo demonstrar virilidade, se atrapalha)
(De repente ela se manisfesta)
Rosa, a Rumorosa: Sou solteira e não tenho noivo.
Eu gosto muito dos homens bonitos, fortes, valentes...(Chapolin fica com o ego elevado) mas me contento com você
- (Chapolin lambuza as costas do Xerife de cola enquanto ele cola cartazes na parede, logo após, lhe cola um cartaz)
Isso! Cadê o cartaz?
Não acha que está exagerando? É melhor colar aqui, ó, aqui é menos redondo
(Aponta para um barril.) OFENSA FEITA DEVIDO AO PORTE FÍSICO

- (Chapolin reconhece Racha-Cuca e se amedronta, Rasga o cartaz com os dizeres "Lo queremos vivo o muerto, mucho peligroso" de um modo que fica escrito apenas "Lo queremos mucho" FORÇA O TELESPECTADOR A LER, COISA NÃO TÃO COMUM EM INFANTIS/PIADA UM TANTO COMPLEXA DE SER ENTENDIDA POR UMA CRIANÇA

- Racha-Cuca: Silêncio, idiota! Vou contar porque vim aqui, Polegar, me contaram que anda por aí um xerife novo. E aí, será que ele pensa que é muito valente só porque tem uma estrela no peito?
(O Xerife, ouvindo, arranca a estrela da camisa)
Chapolin: Já chega! Eu quero ver se você tem coragem de bater no Xerife na frente do Polegar Vermelho
Quero ver atreva-se!
Racha-Cuca: Com muito prazer, Vermelhinho
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(Levanta-se e acerta um tapa no rosto do Xerife, que cai. Ao fundo a música The God, the Bad, the Uggly)
Chapolin: Não é vantagem, o xerife é um podre coitado.Mas eu queria ver você bater deste jeito no dono do bar na frente do Polegar Vermelho!
Racha-Cuca: Com muito prazer, onde ele está?
Dono do Bar: Foi pra Disneylândia...com o Polegar Vermelho
(Se esconde atrás do balcão, para onde Racha-Cuca vai e acerta-o)
Chapolin: É claro, este também é um pobre coitado. Mas eu queria ver se tinha coragem de bater no banqueiro na frente do Polegar Vermelho
Banqueiro: Eu sempre disse que pago pra não entrar numa briga, cinco, dez, quinze, vinte, vinte e cinco, trinta, trinta e cinco...
(Racha-Cuca lhe dá um soco)
...quarenta, quarenta e cinco, cinqüenta, cinqüenta e cinco, sessenta, tome (cai no chão)
Chapolin: O banqueiro é outro pobre coitado.Mas eu gostaria de ver se tinha coragem de bater no...no...não sobrou ninguém VIOLÊNCIA QUE INCLUI DESDÉM COM RELAÇÃO À AUTORIDADE

- Racha-Cuca: Agora você vai ver, Vermelhinho!
Chapolin: Não...não
(Sai correndo do bar por medo, no caminho vê Rosa, a Rumorosa e pára para paquerá-la)
Chapolin: em algum programa para esta tarde?
(Racha-Cuca aplica um disparo que assusta Chapolin e o faz correr na direção do banco onde já se esconde o banqueiro. Tiros vêm de fora e trapalhadas estilo pastelão ocorrem dentro do banco. Mais um tiro)
Chapolin: Ah, ele errou o tiro
Banqueiro: Não, não errou
Chapolin: Sim, ele errou
Banqueiro: Ele não errou!
Chapolin: Não me acertou
Banqueiro: Mas a mim sim
(O banqueiro geme e cai no chão, Chapolin tenta socorrê-lo, mas é assustado por mais um tiro que o faz correr até a parte interna do banco, ali está uma simulação de um quadro do banqueiro, objeto, do quadro, que após um tiro cai, em um efeito de baixa qualidade.) ELEMENTO TRASH
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Conclusão

Por meio desta pesquisa, pôde-se constatar que os seriados Chaves e Chapolin possuem características não-segmentadas de audiência, sendo assim, parece incorreto afirmar que tratam-se de programas estritamente infantis ou destinados a qualquer outro tipo de público específico. Surgindo de maneira não exatamente programada – pois Bolaños não possuía conhecimento quanto aos espaços e horários que lhe seriam oferecidos – os seriados foram se adequando ao estilo daqueles telespectadores que com o tempo se mostraram entusiastas das piadas, personagens, situações e cenários.
No Brasil, Chaves e Chapolin tiveram em seu melhor momento as crianças como principais simpatizantes, nesse período criou-se o estigma de atrações infanto-juvenis. No entanto, diversos conteúdos dos seriados têm características que vão muito além do universo infantil. É notório, como este trabalho demonstra, que essas criações de Bolaños possuem atrativos para aqueles que têm mais de 12, 14 ou 18 anos de idade, assim como para aqueles que já passaram dos 30 ou 50, mas, ainda assim, nunca deixam de ser interessantes às crianças, afinal, tratam-se de produtos da televisão comercial, e Bolaños pode ser considerado um empreendedor da mídia, logo, jamais colocaria de lado uma fonte de rendimento, desperdiçando essa identificação que o mais jovem dos públicos possui com os programas, ainda que não exista a preocupação em se dirigir diretamente a ele.
Com chistes que podem ser considerados além do seu tempo, ambos os programas ditaram um conceito de humor que a partir dali se tornou referencial, mostraram que são capazes de continuar atraindo adolescentes e adultos, a partir do momento que estes os enxergam sob nova mentalidade, mais experimentada. Vendo os programas nessas fases da vida, algumas piadas passam a adquirir novo sentido, ou a ter uma significação que a compreensão da criança não capta.
Os figurinos e os cenários transmitem com exatidão a idéia que se busca, entretanto, a intenção burlesca que ali existe não hesita em exagerar, caricaturar os clichês da sociedade. Como podemos ver nas roupas dos personagens do seriado Chaves, as quais
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praticamente nunca são trocadas. Por exemplo, Quico usa um traje de marinheiro que dá a nítida idéia de que foi escolhido por sua mãe, trata-se de um autêntico “almofadinha”. Dona Florinda, por sua vez, sempre com seus ridículos bobs nos cabelos, que se destacam. Seu Madruga (o mais comentado entre os adultos), com suas roupas velhas e surradas, é o característico gaiato. E na mesma linha estão as vestimentas dos outros personagens, inclusive do próprio Chaves, uma maltrapilho garoto abandonado.
O clássico cenário de Chaves é a vila, nela qualquer população latino-americana é capaz de se imaginar, pois todos os países do continente são repletos de lugares como aquele. Quando sai do cortiço, como no restaurante da Dona Florinda, o programa parece perder, pela mudança de cenário,mas também pelo fato de que dentro da história tal comércio foi aberto quando já não havia no elenco as presenças de Carlos Villagrán, o Quico, e Ramón Valdés, o Seu Madruga.
Em Chapolin o cenário vária de acordo com a história, assim como os personagens periféricos, o único que nunca falta, claro, é o herói Chapolin. As adaptações no ambiente nem sempre remetem à atmosfera do contexto (cenários de época são bem comuns em Chapolin), mas muitas outras vezes o resultado cenográfico é excelente. Porém, ainda que o cenário não seja perfeito, o verdadeiro resultado almejado costuma ser alcançado, e o objetivo de diversão não se altera. Chapolin é um programa com conteúdo muito mais adulto que Chaves, como é possível se observar quando são abordados temas como a Guerra de Secessão norte-americana, a vida do compositor Chopin, a saga de Dom Quixote de la Mancha e o conto de Fausto e Mefistófeles .
Através da leitura praticada na presente pesquisa, enfocando elementos característicos dos trabalhos de Roberto Gómez Bolaños em seus tele-seriados, pode-se concluir que tratam-se, acima de tudo, de típicos humorísticos de TV, devem ser classificados de comédias, pois é isso que são, e não infantis. Portanto, também é importante não se cair no moralismo, para que se compreenda a comédia como tal, através de uma visão desprovida de cobranças pedagógicas.
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Referências Bibliográficas:

COMPARATO, Doc. Da Criação ao Roteiro. Rio de Janeiro: Rocco, 2000
DUMAS, Alexandre. A Dama das Camélias. Porto Alegre: L&PM Editores, 2004
JOSÉ, Carmen Lúcia. Do Brega ao Emergente. São Paulo: Marco Zero, 2002
JOLY, Luís; THULER, Fernando; FRANCO, Paulo. Chaves - Foi Sem Querer Querendo?. São Paulo: Matrix, 2005
KASCHNER, Pablo. Chaves de um Sucesso. Rio de Janeiro: Senac Rio, 2006
SILVA, Arlindo. A Fantástica História de Silvio Santos. São Paulo: Editora do Brasil, 2002
SOUZA, José Carlos Aronchi de. Gêneros e Formatos na Televisão. São Paulo: Summus, 2004

Referências Eletrônicas:
Chavo del Ocho, el Chavo del Ocho em Internet. Disponível em: www.chavodel8.com/articulos/chavo-del-8.php. Acesso em : 7 de set:2008

Chespirito, Roberto Gomes Bolaños, sitio oficial.Disponível em: http://www.chespirito.com/ . Acesso 21 de abr:2008

HOINEFF, Nelson Telejornalismo do SBT: Aqui Agora, Silvio Santos e o jornalismo, Abril/2005. Disponível em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=481TVQ001. Acesso em: 21 de abr:2008

NOGUEIRA, Bruno, Tributo a Odair José - Vou tirar Você desse lugar. Março/2006 Disponível em: www.popup.mus.br/2006/03/06/tributo-a-odair-jose-vou-tirar-voce-desse-lugar/.Acesso em 11 de jul: 2008.


Revistas e jornais

Academia Líbero, Faculdade Cásper Líbero, vol. 10, nº 20. São Paulo: dezembro de 2007

GIRON, Luís Antônio e PIEMONTE, Marianne. ABBA, tão brega que virou clássico. Época, nº539, 15 de setembro de 2008

HALLACK, Giovana . "Politicamente incorreto" é o que dá lucro. Época, nº 219, 2 de ago, 2002
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JIMENEZ, Keila. Babá faz extra. tv & lazer, nº 851. O Estado de S. Paulo, p. 4, 12 de outubro de 2008

PADIGLIONE. Cristina, Pode ou não pode?. tv & lazer, nº 853. O Estado de S. Paulo, p.4, 28 de set. 2008

PRISZKULNIK, Léia. A criança sob a ótica da Psicanálise: algumas considerações
PSIC - Revista de Psicologia da Vetor Editora, Vol. 5, nº.1, p. 72-77, abr.2004

YGLESIAS, María Perez. El Chavo del Ocho, ¿Por que lo aman los ninõs? Revista Herencia Editorial de la Universidad de Costa Rica (UCR), set.1990






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ANEXO:
Transcrição dos episódios

O DIA INTERNACIONAL DA MULHER

Chiquinha: Como você é ruim, vai errar
Chaves: Como é?
Chiquinha: Chaves, será que não pode jogar pra lá?
Chaves: Você vai ver só
(Simula narração de um cronista esportivo)
Ele pega, se prepara, e ele vai lançar
Chiquinha: (assobio de vaia)
Chaves: Pra quem você assobiou?
Chiquinha: Para o aparador que pegou mal
Chaves: Então assim, sim
Agora sim,o campeão de baseball se prepara para jogar e rebate...
(Acerta o taco no Quico, que vai para cima a fim de tirar satisfações)
Chiquinha: Ponto! (grito)
Chaves: A culpa foi sua por entrar no campo de baseball
Quico: Me desculpa, Chaves. Deixa eu ver o campo.
(Depois de sair, volta)
Mas isso aqui é o pátio da nossa vila
Chaves: Sim, mas estou fazendo de conta que aqui é o campo de baseball. A vassoura é o taco e essas tampinhas são as bolas.
Agora sim, o campeão de baseball se prepara para uma tremenda... Mais uma piadinha e vou te mostrar com quantos paus se faz uma canoa (diz para Chiquinha)
Chiquinha: Ah, Chaves, tá vendo como você é?! Você acha que eu seria capaz de uma coisas dessas? Claro que não
(Quico chega com seus brinquedos caros, fazendo inveja para o carente Chaves)
Chaves: Que tacão! Me empresta?
Quico: Sim
Chaves: Não faz mal, porque eu nem queria... Você disse que sim?
Quico: Sim, Chaves. Não sabe que o baseball não é um jogo para se jogar sozinho?
Então vamos lá, Chavinho.Você lança e eu dou uma tremenda tacada até o outro lado
Chaves: E eu jogo...sim, sim, sim!
Quico: Tá legal!
Chiquinha: Bem, e eu? O que faço?
Chaves: Não, mulheres não jogam baseball
Chiquinha: Como? Nunca ouviu falar da liberação da 'mulher feminina'?
Chaves: O que é isso?
Chiquinha: Que de hoje em diante, nós mulheres não temos que pedir permissão dos homens para cometer as barbaridades que cometíamos quando não nos davam permissão
Quico: E isso significa...
Chiquinha: Que de hoje em diante as mulheres vão trabalhar e os homens vão ter os filhos
Quico: E não vale continuar solteiro?
Chiquinha: E tem mais, se uma mulher queira casar-se com você, difícil. Não se preocupe, Quico, creio que não vai acontecer com você.
Com você sim, Chavinho, pode ser que um dia você tenha a honra de se casar comigo
Chaves: Por que eu sempre tenho que ficar com a pior parte? Tudo eu...
Chiquinha: Chaves, você me insultou, e no Dia Internacional da Mulher. (choro)
Você vai ver só, vou contar pro meu papai que você me insultou e que me deu uma facada na cabeça, e me deu uma bolada, e depois me deu uma vassourada e uma tijolada, uma pedrada e uma patada
Chaves: Você vai me entregar pro seu papai ou vai contar toda a nossa vida?
(Chiquinha vai embora berrando)
Quico: Ah, deixa pra lá, Chaves! Vamos jogar baseball!
Chaves: Mas se ela contar pro papai dela, então Seu Madruga me bate
Quico: Não, Chaves, seu Madruga não está em casa
Chaves: Ah bom, então assim, sim!
Quico: Vamos?
Espera, espera, espera
(Se prepara de maneira bizarra para a brincadeira)
Pronto!
Chaves: Mas agora mesmo que não vamos deixar a Chiquinha jogar
Quico: Sim, mas deixa isso pra lá e joga, sim?
Chaves: Então vai
Quico: Sim
Chaves: Por que as mulheres só servem para estragar tudo
Quico: Sim, mas esquece isso e joga, hãm? Pode mandar!
Chaves: Não sabem jogar, nem nada. Não lançam, não aparam e não sabem bater. E ainda
mais...
Quico: Cale-se, cale-se, cale-se que assim você me deixa louco!
Chaves: Ninguém tem paciência comigo
Quico: Não! E agora, de castigo, não te deixo jogar baseball comigo.
Me dá a aqui a minha bola!
Chaves: Vou te dar sim, só que na cabeça
(Bate com a bola na cabeça do Quico)
Quico: Agora sim eu te pego, Chaves!
Chaves: Não, não!
(Tentando atingir Chaves, Quico acerta seu Madruga pelas costas enquanto este passava. Na seqüência dá o taco para Chaves antes que Seu Madruga se vire e o veja com o instrumento na mão)
Quico: Toma, Chaves, eu empresto pra você
Seu Madruga: Tinha que ser o Chaves
Chaves: Eu?
Seu Madruga: “Eu?” Toma!
(Dá um pancada na cabeça de Chaves. Um cascudo)
E me dá isso aqui!
(Dona Florinda chega e Seu Madruga a acerta por acidente com o brinquedo)
Dona Florinda: Muito bem! Continue, continue...
Seu Madruga: Não, é melhor outro dia
Dona Florinda: Quer dizer que ataca uma mulher indefesa
Seu Madruga: Não, é que...
Dona Florinda: E em pleno Dia Internacional da Mulher
Seu Madruga: É que na verdade...
Chiquinha: Me chamaram?
Seu Madruga: Não Chiquinha, o negócio aqui é com a Dona Poronga, sabe..
Dona Florinda: Com a Dona quem?
Seu Madruga: Com Dona Florinda
(Florinda dá um tapa no rosto de Seu Madruga)
Dona Florinda: Vamos, Tesouro! E não se misture com essa gentalha
Quico: Sim, mamãe! Genta...
(Quico prepara-se para empurrar Seu Madruga, mas esse, aproveitando de que Dona Florinda já se foi, ameaça acertá-lo com o taco que ainda tem em mãos)
Chiquinha: Papai...
Seu Madruga: Sim, sim. Já sei o que você vai dizer, que não gosta de me ver apanhando da Dona Florinda, e que gostaria que eu devolvesse as bofetadas.
Mas não, filhinha!
Chiquinha: Ao contrário, papai, estou do lado dela
(Madruga reage espantado)
Seu Madruga: Do lado de quem?
Chiquinha: Eu sinto muito, papai, mas como hoje é o Dia Internacional da Mulher
Seu Madruga: Então hoje é o Dia Internacional da Mulher, não?
Chiquinha: Sim, papai. Não sabia?
Seu Madruga: Sabia sim, andei lendo no jornal. Li que se juntaram para fazer umas fofocas...digo, digo que se juntaram para fazer umas reuniões, etc, etc... CITAÇÃO MACHISTA
Bom, mas isso não te obriga a ficar do lado da Dona Florinda
Chiquinha: Como não? Devemos estar unidas
Seu Madruga: Ah, sim? Pois eu quero que saiba um coisa: Na minha opinião a mulher é a coisa mais enojada do mundo
Chiquinha: Papai, eu sou mulher
Seu Madruga: E por que acha que eu disse isso?
Chiquinha: É?
Seu Madruga: Claro! A mulher é mentirosa, a mulher é metida, a mulher é abusada, a mulher é...
(Uma bela mulher entra na vila e Seu Madruga se encanta. Um efeito sem grande qualidade ilustra o fascínio)
Chiquinha: Continue, continue, o que mais é a mulher?
Seu Madruga: É linda, é graciosa
Chiquinha: Ah, como...
Seu Madruga: É sublime, é encantadora!
(Chiquinha vê a mulher passando)
Chiquinha: Ah, papai, você tem razão. A mulher é a coisa mais enojada do mundo. Não é?
(Seu Madruga não responde)
Papai, estou falando. PAPAAAAI!
Seu Madruga: Desculpe, o que estava falando?
Chiquinha: Que você tinha razão, a mulher é a coisa mais enojada do mundo, não é mesmo?
Seu Madruga: Não, ao contrário, você que tem toda razão. A mulher é a coisa mais bonita do mundo
(Chiquinha chora)
(Seu Madruga sussurra no corredor, na direção em que a mulher bonita foi)
Seu Madruga: Gracinha!
(Dona Clotilde aparece e o abraça)
Dona Clotilde: Por que demorou tanto pra decidir-se?
Seu Madruga: Perdão, Dona Clotilde!
Dona Clotilde: Não, não fale mais nada. Quando duas almas gêmeas se encontram no labirinto da vida as palavras são desnecessárias
Seu Madruga: É que eu...
Dona Clotilde: Ah, não! É melhor não dizer nada. Todo o encanto pode se romper com apenas uma palavra
Seu Madruga: Pois então gostaria de saber o dicionário inteiro
Dona Clotilde: Como?
Seu Madruga: Digo...
Dona Clotilde: Vou preparar um bolo para festejar esse lindo acontecimento
Seu Madruga: Grato, grato...Qual acontecimento? O que há? A senhora está louca?
(Dona Clotilde entra em sua casa e a mulher bela aparece)
Mulher Bonita: Bom dia!
Seu Madruga: Muito bom!
Mulher Bonita: Perdão, o senhor mora aqui na vila?
Seu Madruga: Sim, aqui no 72. Entre, por favor!
Mulher Bonita: Obrigada, estou procurando um lugar para morar. O senhor sabe de algum desocupado?
Seu Madruga: Eu, eu!! (entusiasmado)
Mulher Bonita: Eu me refiro a uma casa
Seu Madruga: Sim, claro. Bom, eu não sei se ainda está vago o apartamento ali de cima, mas em caso contrário, eu posso até te arranjar um cantinho. Digo, para mim não é incômodo nenhum, e ainda que hoje é o Dia Intermulher da Nacional...digo, é o Dia Internacional da Mulher, é isso
Mulher Bonita: Entendo, mas quem pode me informar sobre esse apartamento?
Seu Madruga: Bom, se a senhora prefere, é só perguntar ali na porta, ali podem informar
Mulher Bonita: Obrigada
Seu Madruga: Acredite que foi um prazer
(ela se vai em direção à portaria e Seu Madruga sussurra na mesma direção)
Coisa linda! Maravilhosa...
(Chaves sai de seu barril ficando cara a cara com ele de modo repentino)
Que foi?
Chaves: O que foi o quê?
Seu Madruga: Isso é jeito de responder? Por isso que sempre vem um e te bate
Chaves: Um não, todos me batem
Seu Madruga: Bom, e por que todos te batem? Por que você sempre se mete onde não deve. Devia aprender comigo, que nunca me meto onde não devo
Chaves: Isso é impossível, não existe lugar onde o senhor não deva. Onde não deve 40 deve 50, onde onde não deve 70 deve 80...
Seu Madruga: Chega! Fora daqui
Chaves: Mas...
Seu Madruga: Fora!
Chaves: Mas...
Seu Madruga: Fora! Fora, fora, fora, fora, fora!
(Chaves sai e a mulher bonita retorna)
Mulher Bonita: Não tem ninguém na portaria
Seu Madruga: Puxa vida, então...
(Chiquinha chega)
Chiquinha: Papai!
Seu Madruga: Mas que diabo!
Chiquinha: Me dá dinheiro pra eu comprar doce?
Seu Madruga: É minha filhinha(apresenta Chiquinha). Mas eu sou saúvo...digo, eu sou viúvo. Quero dizer que não tenho nenhum compromisso
Mulher Bonita: Mas eu acho muito jovem
(Seu Madruga se alegra)
Seu Madruga: Ah, é mesmo?
Mulher Bonita: Sim, ela é jovem demais para ser sua filha
Chiquinha: Toma! (risos)
Seu Madruga: Vai pra casa!
Chiquinha: Mas papai..
Seu Madruga: Pra casa!
Chiquinha: Mas...
Seu Madruga: Pra casa, pra casa, pra casa!
Chiquinha: E o dinhei...
Seu Madruga: Pra casa!
(Sai chorando)
Seu Madruga: Enfim, sós
(Seu Madruga vira-se e dá de cara com Quico que apareceu entre ele e a mulher)
Mulher Bonita: Também é seu filho?
Seu Madruga: Isso?
Quico: Não, eu sou filho da minha mamãe
Seu Madruga: A senhora dizia que não está ninguém atrás do balcão?
Quico: Sim, está o açougueiro
(Seu Madruga encara Quico enfezado)
O dono do botequim? A moça da farmácia? O padeiro? O homem da mercearia?
Não deu
Seu Madruga: Permita-me, senhorita
(Desfere um beliscão no braço de Quico)
Quico: Mamãe! (grito)
Vai ver só, eu vou contar pra minha mãe quando ela chegar, e aí ela vai te mostrar o que é bom pra tosse
Seu Madruga: Aí, que medo!
(Torna a falar com a mulher)
Não ligue pra isso, não ligue pra isso. Estava dizendo que não encontrou ninguém tomando conta da porcaria? Digo, digo, da portaria?
Mulher Bonita: Bem, é que ninguém atende
Seu Madruga: Bom, eles não costumam estar lá de manhã, mas se quiser voltar à tarde, talvez eu já tenha uma informação sobre o apartamento
Mulher Bonita: Acho que assim está bem. Até mais tarde!
(Vai embora)
Seu Madruga: Gracinha, exatamente o tipo de vizinha que eu sempre sonhei ter
(Dona Clotilde aparece de repente)
Dona Clotilde: Obrigada
(Entrega o bolo prometido)
Espero que goste
Seu Madruga: Obrigado
Dona Clotilde: E à tarde eu o encontrarei, para que possamos comê-lo juntos. Adeus, Mamá!
(Seu Madruga se arrepia demonstrando asco)
(Já à tarde, em outra cena, Chaves chega ao pátio onde Chiquinha está desenhando no chão)
Chaves: Está desenhando um avião?
Chiquinha: Claro que não, não sabe que hoje é o Dia Internacional da Mulher?
Chaves: E o que tem a ver?
Chiquinha: Que não é um avião, é um avioneta
Chaves: Dá pra notar que você herdou o sangue ruim do seu papai
(Seu Madruga o surpreende)
Seu Madruga: Como é?
Chaves: Não, ela não herdou nada. Ela é bem simpática
Seu Madruga: O quê?
...esqueçam, esqueçam, além do mais estou disposto a perdoá-los desde que em façam um favor
Chiquinha: Tudo bem!
Seu Madruga: Então venha aqui, vou te explicar. Daqui a pouco vai chegar a senhorita que veio hoje de manhã
Chiquinha: Ah, sim
Seu Madruga: O que que foi, que que foi, que que há? Saiba que está enganada se está pensando que existe algo entre ela e eu
Chiquinha: Que pena, não?
Seu Madruga: Você acha?
Chiquinha: Vontade não lhe falta IRONIA
Seu Madruga: Também é provável que venha me procurar a mamãe do Quico
Chiquinha: Com ela também não tem nada?
Seu Madruga: Claro que não!
Chiquinha: Porque na semana passada...
Seu Madruga: Já chega!
Também pode vir a Bruxa do 71
Chiquinha: Com esta sim!
Seu Madruga: Você não vai me deixar falar?
Chiquinha: Sim, papaizinho
Seu Madruga: Quando a Bruxa...
(Chaves se apetece com o bolo)
Chiquinha: Não, Chaves! Não, não, não pode comer, esqueceu que quem fez foi a Bruxa do 71?
Chaves: Aí, é mesmo!
Chiquinha: E se você se transforma em uma minhoca de água parada?
Chaves: O senhor já provou, não foi?
(Se referindo a Seu Madruga)
Seu Madruga: Você vai me deixar falar sim ou não?
Chaves: Sim
Seu Madruga: Bem, quando chegar a Bruxa do 71, digam que eu morri
Chaves: Ah, o senhor já se fantasiou de esqueleto
Chiquinha: Chaves, como você é burro!
Meu pai quer que a gente diga pra Bruxa do 71 que ele morreu porque não quer vê-la
Seu Madruga: Exato!
Quando chegar a senhorita que veio aqui hoje de manhã...
Chaves: Dizemos que o senhor morreu
Seu Madruga: Exato...não, não...
Diga para ela entrar que eu estou esperando
Chaves: Sim
Chiquinha: Bem, e se chegar a mamãe do Quico?
Seu Madruga: Se chegar a mamãe do Quico você, você...
(Olha para o bolo e em seguida para a câmera com expressão perversa)
O que vocês acham de jogar o bolo nela?
Chiquinha: Boa idéia!
Chaves: Não, não. Eu não posso consentir que se desperdice comida
Chiquinha: Ah, mas esse bolo quem fez foi a Bruxa
Chaves: Ah, é verdade
Chiquinha: Sim
(Seu Madruga entrega o bolo para Chiquinha)
Seu Madruga: Então, posso ir?
Chiquinha: Pode, pode
Seu Madruga: Não vão esquecer de nada, hein?
Chiquinha: Não, papaizinho
Seu Madruga: Boa sorte! Sorte!
Chaves: Aí está o giz que você estava pintando o chão, pra anotar o que seu papai mandou fazer pra gente não esquecer
Chiquinha: Olhe que boa idéia! Segure aqui!
Vou escrever na parede
Chaves: Isso
Chiquinha: Primeiro um ponto, um travessão...Se a Bruxa vier, o que eu digo?
Chaves: Que morreu, que seu papai morreu
Chiquinha: Ah, que morreu, é verdade
(Escreve)
Mor-reu
Vamos lá, dois. E se vier a senhorita que veio de manhã?
Chaves: Que entre, que seu pai está esperando
Chiquinha: Ah, sim, é isso mesmo
En-tre
Três, e se vier a mamãe do Quico?
Chaves: O bolo
Chiquinha: Ah sim, o bolo, deixa eu escrever
Bo-lo
Pronto!
(Mais tarde Quico entra na vila junto com Dona Florinda enquanto Chaves e Chiquinha brincam no pátio)
Quico: Sim, mamãe, e não foi só isso, ele também me beliscou e disse que não tem medo
de você
Dona Florinda: Ah, é? Pois agora ele vai ver
(Se aproxima da casa de Seu Madruga)
Chaves: Ele morreu
Dona Florinda: Quem morreu?
Chaves: Seu Madruga
(Quico vai chorar na parede)
Dona Florinda: Quico, Tesouro, não pode acreditar em uma mentira dessas. Além disso, não pode chorar pela morte de semelhante gentalha
Quico: Acontece que não choro por isso
Dona Florinda: Então?
Quico: É que se o Seu Madruga morreu você não vai poder dar-lhe a pancada que eu queria
Dona Florinda: Calma, Tesouro, ainda está em tempo
Quico: Se está dizendo
(Eles se vão e Dona Clotilde chega)
Chaves: Pode entrar, Seu Madruga está esperando
Seu Madruga: Pode entrar...Mamãe!!
(Ela entra já abraçando Seu Madruga)
Chiquinha: Chaves, o que é que você fez?
Chaves: O que você me disse. A primeira foi Dona Florinda, e veja, a primeira "morreu". Então eu disse que seu pai morreu
A segunda foi a Bruxa do 71 e aqui está dizendo "entre", que seu pai está esperando.
Só tá faltando a terceira, é nessa que a gente tem que jogar o bolo
Chiquinha: Ah, sim, é claro, o bolo
(A moça chega)
Moça bonita: Olá!
Chiquinha: Olhe!
( E manda o bolo no rosto dela)
Moça bonita: Mas o que significa isso?
Chiquinha: Foram ordens do meu pai
Moça bonita: Ah, é?
(Entra na casa de seu Madruga e ouve-se a sonoplastia representando pancadas)
(No dia seguinte Quico sai de casa com um novo bolo)
Aqui está o bolo, Chaves. Mas você ainda não me disse do que se trata
Chaves: Olha, é que ontem nos equivocamos com as anotações da Chiquinha que o pai dela mandou fazer. E como as três prometeram que voltarão hoje, vamos fazer a coisa certa para que Seu Madruga fique muito contente
(A moça bonita chega)
Quico: Aí vem a primeira, ela é o que?
Chaves: Morreu, morreu
Moça Bonita: O Seu Madruga me ligou falando que a história do bolo foi engano, e vim aqui falar com ele
Quico: Ele morreu
Moça Bonita: Morreu? Ele morreu? Eu não quis bater nele tão forte. Com licença, com licença...
(Vai embora perturbada)
Quico: Foi a primeira, Chaves, aí vem a minha mãe
Chaves: Sua mamãe é a segunda, para ela o quê?
Quico: Entre
Chaves: Entre, Seu Madruga está esperando
Dona Florinda: Ah é, masoquista... e eu sádica
(Entra na casa de seu Madruga e novamente ouve-se a sonoplastia representando pancadas. Ao ver seu pai apanhando, Chiquinha aparace na janela)
Chiquinha: Posso saber o que estão fazendo?
Chaves: Ora, o que você escreveu
Quico: Aí vem a Bruxa do 71
Chaves: Ela é a terceira, hora do bolo
(Quico tenta acertar o bolo em Dona Clotilde, que passa deixando-o atrasado, assim ele acerta Chiquinha que ainda está na janela)

CHAPOLIN - O RACHA-CUCA

Sinopse: Em um cenário de velho oeste, um bandido típico apavora a população, os comerciantes e até o xerife locais não têm coragem nem condições de impedir as atrocidades do criminoso, dessa forma Chapolin é invocado para dar um fim a isto. Claro que, durante os acontecimentos, em vários instantes ele demonstra covardia, e interesse pela bela mulher, filha de Racha Cuca.
Ofensas, libido sexual e agressões também estão presentes no episódio, além de aparição de bebida alcoólica, fumo e citações não muito compreensíveis a crianças.

Banqueiro: Catorze mil duzentos e vinte e nove, catorze mil duzentos e trinta, catorze mil duzentos e trinta e um...
(Banqueiro perde a conta, extasiado pela beleza da moça)
Um, dois, três, quatro, cinco...
Moça: Não, não, não é preciso contar de novo, a soma está correta
Banqueiro: Escute eu vou lhe pedir um favor, tenha muito cuidado quando sair com esse dinheiro pela rua, porque chegou na cidade um bandido que é muito perigoso
Rosa, a Rumorosa: Uhum, eu sei, é o Racha-Cuca
Banqueiro: Exato, você o conhece?
Rosa Rumorosa: Sim, é meu pai
(Assustado, o banqueiro se atrapalha e deixa cair o charuto da boca dentro do saco de dinheiro)
Banqueiro: Aqui está
(Se atrapalha de novo)
Rosa, a Rumorosa: Até logo
Banqueiro: Até logo
(A moça sai do banco provocando o desejo dos homens que estão na rua)
Rosa, a Rumorosa: Bom dia, Xerife!
Xerife: Bom... bom dia, senhorita! Como...como tem passado? É um frio hoje, hein?!
(Nervoso)
Bom, eu vou chegando, com a licença!
(Bate o rosto em uma pilastra ao sair, em seguida ouvem-se tiros saídos do 'Saloon' e todos fogem, menos Rosa Rumorosa e o Xerife, que grita em direção ao bar)
Xerife: O que está acontecendo aí? Quem está atirando aí dentro, hãm?
(Pessoas fogem do bar, o dono sai)
Dono do Bar: É o Racha-Cuca!
Xerife: Nossa! Salve-se quem puder
(O Xerife também foge, logo Racha-Cuca sai do bar portando uma pistola)
Rosa, a Rumorosa: Olá, papai!
Racha-Cuca: Olá, filha! O que está fazendo por aqui?
Rosa, a Rumorosa: Nada, estava passeando. Você vai almoçar em casa?
Racha-Cuca: Claro que sim, filha. Só vou fazer um trabalhinho aqui no banco e já vamos comer
Rosa, a Rumorosa: Escute, papai, quer que eu espere até que termine?
Racha-Cuca: Claro, filhinha, não vou demorar, espere aí!
(Entra no banco e saca a arma)
Racha-Cuca: Isso é um assalto, vovô!
Banqueiro: Sim senhor! Sim senhor! Sinta-se à vontade, como se estivesse em sua casa
Faz muito tempo que não temos o prazer de ver o senhor por aqui
Racha-Cuca: Eu tenho tido trabalhos em outros estados
Banqueiro: Ah, sim, entendo, entendo
Olha, o senhor não gostaria de levar mais alguma coisinha? Veja, nós temos cheques de viagem, obrigações reajustáveis do Tesouro...
Racha-Cuca: Não, não, não, talvez em uma outra ocasião
Banqueiro: Então, até logo!
Racha-Cuca: Até logo
Banqueiro: Bons assaltos pro senhor!
Racha-Cuca: Obrigado
(Sai do banco)
Pronto, filhinha, vamos embora
Rosa, a Rumorosa: Não, espere um pouco, papai
Racha-Cuca: O que foi?
Rosa, a Rumorosa: Você não acha que é perigoso andar com tanto dinheiro pelas ruas?
Racha-Cuca: É, você tem razão, filhinha. Mas o que é que eu faço?
Rosa, a Rumorosa: Bem, já que estamos na frente do banco, por que não deposita na sua conta?
Racha-Cuca: É possível, é possível
(Entra novamente na agência)
Escute, vovô, por favor, deposite esse dinheiro em minha conta particular
Banqueiro: Mas este é o mesmo dinheiro que o senhor acabou de roubar agora há pouco aqui neste mesmo banco
(Racha-Cuca puxa o bancário pelo colarinho)
Racha-Cuca: Você sabe que meu trabalho é roubar bancos, não é?!
Banqueiro: Sim, mas o que o senhor não entende é que...
(aponta a arma ao funcionário)
Racha-Cuca: Vai fazer o depósito ou não?
Banqueiro: Mas quem foi que disse que eu não vou fazer o depósito?
Racha-Cuca: E anda logo, minha filhinha está esperando lá fora
(Na parte externa)
Dono do Bar: Este bandido vai acabar destruindo o povoado. Qual será o homem capaz de detê-lo?
(Olha para o Xerife, que disfarça a covardia e a estrela no peito)
(Dentro do banco)
Racha-Cuca: Então esse papelzinho é que me garante que meu dinheiro está depositado na minha conta particular?
Banqueiro: Sim senhor, exatamente
Racha-Cuca: Muito bem, muito bem. Muito obrigado
Banqueiro: De nada
(Saca a arma novamente e a aponta)
Racha-Cuca: E agora, isto é um outro assalto
Banqueiro: Mas calma, senhor, desse jeito não vale, não faz nem dois minutos que o senhor veio e roubou este mesmo banco
Racha-Cuca: Não se espante, vovô. Sabe o que é? É que hoje acordei com muita vontade de trabalhar
Banqueiro: Sim senhor, eu entendo o que quer dizer, mas...
Racha-Cuca: Cale a boca!
Banqueiro: Mas o que eu quero dizer é que...
Racha-Cuca: Cale a boca!
Banqueiro: É que o senhor acabou de...
Racha-Cuca: Cale a boca!
Banqueiro: É que o senhor acabou de roubar...
Racha-Cuca: Cale a boca!
(O dinheiro é entregue)
Racha-Cuca: Até breve!
(Sai do banco)
Pronto, filhinha, vamos embora
Rosa, a Rumorosa: Escute, papai você não ia depositar o dinheiro no banco?
Racha-Cuca: Já depositei. Nãão, isso é só pras despesas da semana. Vamos embora
Rosa, a Rumorosa: Ah, sim
(E se vão)
Banqueiro, Xerife e Dono do Bar: Oh, e agora quem poderá nos defender
(Chapolin surge de um barril)
Chapolin: Eu!
Banqueiro, Xerife e Dono do Bar: É o Polegar Vermelho!
Chapolin: Não contavam com aminha astúcia
(Clima de euforia entre o Banqueiro, o Xerife e o Dono do Bar)
(Um tempo depois, no Saloon. O Xerife e o Banqueiro falam ao mesmo tempo enquanto o dono do bar serve dois copos de cerveja e um de leite)
Xerife: Eu sou o xerife desta cidade, eu fui desmoralizado por ele. Não é possível, o Polegar Vermelho terá que dar um jeito nisso, ele tem que dar um jeito, senão nós...
Chapolin: Silêncio! Calma, nada de nervosismo. Vamos decidir o que vamos fazer
(Vê o copo de leite)
Escuta, venha cá! Para quem você pensa que está dando leite?
Dono do Bar: Prá você
Chapolin: Não, isso é muito bom para o Batman ou Superman, que precisam de vitaminas. Pra mim pode trazer uma limonada com suco de tomate
Banqueiro: Polegar, você tem que fazer alguma coisa. Olha, até agora o Racha-Cuca já nos roubou muitocentos mil e outrocentos dólares
Chapolin: É claro, senão como ele ia ter dinheiro pra passar umas boas férias no deserto do Saara...
Banqueiro: Perfeito
Chapolin: Ou no Polo Norte? De qualquer maneira temos que planejar alguma coisa para deter o Racha-Cuca
Xerife: Sim, claro
(Pausa pensativa)
(Bancário e Xerife estão colocando os copos de cerveja em suas bocas e Chapolin interfere)
Chapolin: Esperem! Quando o Racha- Cuca chegar, é...Não, não, não, não funciona
Banqueiro: Não, não, não...
(A cena se repete)
Chapolin: Esperem! Tive uma idéia, quando o ...Não, não, também não vai funcionar
Banqueiro: Também não...aí...
(Outra vez)
Chapolin: Esperem! O que vocês...também não
(Mais uma tentativa de tomar a cerveja interrompida)
Chapolin: Espero...que a gente consiga um bom plano
(Tentam de novo tomar cerveja e têm seus braços contidos agressivamente por Chapolin)
Chapolin: Sim! Escutem bem o que é que nós vamos fazer: Olha aqui, em primeiro lugar, precisamos da colaboração de todo mundo, hein!
Xerife: Estou disposto a vender caro a minha vida
Chapolin: Não vão lhe dar mais que vinte centavos
Xerife: Eu quero dizer que vou arriscar minha pele
Chapolin: Menos. Quem é que vai querer gastar dinheiro para comprar uma pele riscada?
Banqueiro: Polegar, de que maneira nós podemos colaborar?
Chapolin: Muto boa pergunta. Primeiro, você, que é bastante rico, vai mandar imprimir cartazes com o retrato do Racha-Cuca
Banqueiro: Huuum...
Chapolin: E daí, depois que os cartazes estiverem prontos...
(Rosa, a Rumorosa entra no recinto, despertando imediato interesse de Chapolin por sua beleza)
Banqueiro: Polegar, você sabe quem é essa moça? Ela é filha de...
Chapolin: Shiiii
Banqueiro: Bom, mas é que não sabe...
Chapolin: Shiiii
Banqueiro: É que ela é...
Chapolin: Shiiii
Banqueiro: É que ela...
Chapolin: Shiiii
Banqueiro: É...
Chapolin: Shiiii
Banqueiro: Filha...
Chapolin: Shiiii
Banqueiro: Ahhh...
Xerife: Saúde!
(Resignados, os dois brindam, enquanto Chapolin vai cortejar a moça)
Chapolin: Eu já volto
(Querendo demonstrar virilidade, se atrapalha)
(De repente ela se manisfesta)
Rosa, a Rumorosa: Sou solteira e não tenho noivo.
Eu gosto muito do homens bonitos, fortes, valentes...(Chapolin fica com o ego elevado) mas me contento com você
Chapolin: Está abusando da minha nobreza
(Rumorosa acaricia Chapolin, que se arrepia)
Rosa, a Rumorosa: Você quer se casar comigo?
(Chapolin fica nervoso)
Chapolin: Eu sou muito jovem...para...
Por que quer se casar comigo... sendo que há ...tantos homens bonitos...a-a-atrás de você?
Rosa, a Rumorosa: Sendo eu filha de Racha-Cuca?
(Chapolin olha para a câmera e faz expressão de surpresa)
(Logo após, o plano para capturar Racha-Cuca começa a ser executado na rua com a colagem de cartazes)
Chapolin: Quer dizer que este é o famoso Racha-Cuca?!
Banqueiro: Sim Polegar, só de olhar este cartaz já não dá medo?
Chapolin: Medo desse pobre diabo?
(Olha para o cartaz e se assusta)
Aaaí!
Xerife: Nós temos que terminar de colar esses cartazes pelo povoado, você nos ajuda?
Chapolin: É claro que sim. Me dão licença de colar alguns de "Vamos à Disneylândia com o Polegar Vermelho"?
Xerife: Mas é claro!
Um pouquinho de cola!
Banqueiro: Eu vou colar do outro lado
Chapolin: Me dá mais cola aí!
Banqueiro: Pode pegar, Polegar
Chapolin: Vou passar aqui...isso
(Lambuza as costas do Xerife de cola enquanto ele cola cartazes na parede, logo após, lhe cola um cartaz)
Isso! Cadê o cartaz?
Não acha que está exagerando? É melhor colar aqui, ó, aqui é menos redondo
(Aponta para um barril.)
Depois passa cola na porta do 'Saloon', que na seqüência é aberta pelo dono, que acaba recebendo de Chapolin cola no rosto)
Que está fazendo aqui?
Dono do Bar: Nada. Eu queria saber se já terminaram de colar os retratos do...
(Racha-Cuca aparece, espantando a todos, menos Chapolin, que não o viu)
Chapolin: Ora, esperem, não vão embora! Ainda falta colar muitos cartazes aqui, vocês vão embora assim. Ah, tá certo, vocês não querem trabalhar, né. Tá bom, eu sozinho vou colar todos os que faltam
(Racha-Cuca se aproxima de Chapolin)
Por que vocês não me avisaram que também tinham trazido cartazes coloridos?
(Reconhece Racha-Cuca e se amedronta, Rasga o cartaz com os dizeres "Lo queremos vivo o muerto, mucho peligroso" de um modo que fica escrito apenas "Lo queremos mucho"
É o retrato de uma outra pessoa que não se parece nem um pouco com o senhor
Racha-Cuca: Ao contrário, eu acho que é muito parecido comigo
Chapolin: Não, não, este é um senhor de barbas e careca
Racha-Cuca: De barbas? E careca?
Chapolin: Sim
(Chapolin vira o desenho de cabeça para baixo, de maneira que realmente fica parecendo a figura de um homem de barba e careca)
(Depois, no bar)
Chapolin: Cambada de traidores, por que me deixaram sozinho com o Racha-Cuca?
Xerife: Eu não...
Chapolin: E principalmente você que é o xerife! Pra quê que serve essa estrela aí, hein?
Xerife: Para prender o bolso da camisa
Chapolin: Ainda bem que o Polegar Vermelho foi valente o bastante pra derrotar o Racha-Cuca
Banqueiro: Olha Polegar, o que o pessoal anda dizendo é que viu você fugindo do Racha-Cuca
Chapolin: Ah, bom, o que aconteceu foi que nós apostamos uma corridinha de vinte voltas, né. E eu ganhei, e ganhei fácil. Mas eu bati nele, hein, e bati de verdade, eu vou contar para vocês como foi que aconteceu: Primeiro eu lhe dei um forte gancho de esquerda (Demonstrando, acerta o balcão). Depois eu dei um gancho forte o bastante para dobrá-lo. Daí, quando ele viu que era o mais fraco, ele tratou de sacar o revolver, mas eu o desarmei com um movimento muito rápido, em seguida eu continuei atacando com as mãos, mas primeiro o golpe por baixo, (Racha-Cuca entra no lugar, amedrontando a todos, menos Chapolin, que não o vê e segue falando as mentiras) e depois, de direita, com a esquerda, aí eu girei rapidamente, agarrei ele pelo pescoço...ele fez força...eu fiquei meio com dó dele, mas fui rodando, aí ele escapou , eu agarrei novamente com um braço, e então um soco estilo parafuso no umbigo assim (Demonstrando, dá de frente com Racha-Cuca e disfarça no balcão)
E onde é que tá o meu leite, hein?
Estava... estava falando de outro Racha-Cuca, é um amigo meu que o senhor não conhece...bem, ele não é o se...não é o senhor...na verdade ele se chama Pepe, a gente que chama de Racha-Cuca, porque...porque ele tinha um irmãozinho pequenininho que não conseguia dizer "Pepe"... coisa de criança, né...Racha-Cuca...coisa esquisita, né, mas, mas agora ele..agora ele virou Racha-Cuca pra...virou Racha-Cuca pra sempre. Já leu a revistinha do Chaves? (Tira uma do bolso). Não quer ir à Disneylândia com o Polegar Vermelho? (Tira do bolso o folheto e Racha-Cuca segue encarando-o)
Racha-Cuca: O medo não monta em burros, não é, Polegar?
Chapolin: E também não monta em polegares, não é, burro?
(Encaram-se bizarramente, qual se fossem cães, e Chapolin se acovarda. Depois sentam-se à mesa)
Racha-Cuca: Sabe o que me trouxe a este povoado, Vermelhinho?
Chapolin: As patas
(Risos mútuos)
Essa foi boa, né
(Racha-Cuca corta o clima de descontração, Chapolin tenta retomar, mas sem sucesso)
Dono do Bar: O que gostariam de beber?
Chapolin: Chá de sumiço.
Não quer ir à Disneylândia com o Polegar Vermelho, quer? Sabe, eu acho até que seria uma boa
Racha-Cuca: Silêncio, idiota! Vou contar porque vim aqui, Polegar, me contaram que anda por aí um xerife novo. E aí, será que ele pensa que é muito valente só porque tem uma estrela no peito?
(O Xerife, ouvindo, arranca a estrela da camisa)
Chapolin: Já chega! Eu quero ver se você tem coragem de bater no Xerife na frente do Polegar Vermelho
Quero ver atreva-se!
Racha-Cuca: Com muito prazer, Vermelhinho
(Levanta-se e acerta um tapa no rosto do Xerife, que cai. Ao fundo a música The God, the Bad, the Uggly)
Chapolin: Não é vantagem, o xerife é um podre coitado.Mas eu queria ver você bater deste jeito no dono do bar na frente do Polegar Vermelho!
Racha-Cuca: Com muito prazer, onde ele está?
Dono do Bar: Foi pra Disneylândia...com o Polegar Vermelho
(Se esconde atrás do balcão, para onde Racha-Cuca vai e acerta-o)
Chapolin: É claro, este também é um pobre coitado. Mas eu queria ver se tinha coragem de bater no banqueiro na frente do Polegar Vermelho
Banqueiro: Eu sempre disse que pago pra não entrar numa briga, cinco, dez, quinze, vinte, vinte e cinco, trinta, trinta e cinco...
(Racha-Cuca lhe dá um soco)
...quarenta, quarenta e cinco, cinqüenta, cinqüenta e cinco, sessenta, tome (cai no chão)
Chapolin: O banqueiro é outro pobre coitado.Mas eu gostaria de ver se tinha coragem de bater no...no...não sobrou ninguém
Racha-Cuca: Sobrou o Polegar Vermelho
Chapolin: Não, esse nem compensa. É, não tem mais ninguém, né
Racha-Cuca: Eu acho que forma todos para Disneylândia
Chapolin: Não...por que...
Racha-Cuca: Tem mais, no Vermelhinho eu gostaria de fazer uns buraquinhos na pele, por aqui. Prepare-se para viajar! E não vai ser uma viagem para a Disneylândia
(Rosa Rumorosa aparece na porta)
Ros a Rumorosa: Não demore, papai. Eu estou esperando você para almoçar
Racha-Cuca: Espere um pouco,filhinha. Só tenho que resolver uns problemas...ahhhhh
(Chapolin se aproveita da distração e lhe surpreende com um golpe que o leva ao chão, fazendo-o cair em cima de uma cadeira de isopor grosseiro)
Xerife: É isso, aí, Polegar!
Chapolin: Não contavam com minha astúcia!
Xerife: Boa, Polegar
Banqueiro: Salve-se quem puder!
Racha-Cuca: Agora você vai ver, Vermelhinho!
Chapolin: Não...não
(Sai correndo do bar por medo, no caminho vê Rosa, a Rumorosa e pára para paquerá-la)
Chapolin: em algum programa para esta tarde?
(Racha-Cuca aplica um disparo que assusta Chapolin e o faz correr na direção do banco onde já se esconde o banqueiro. Tiros vêm de fora e trapalhadas estilo pastelão ocorrem dentro do banco. Mais um tiro)
Chapolin: Ah, ele errou o tiro
Banqueiro: Não, não errou
Chapolin: Sim, ele errou
Banqueiro: Ele não errou!
Chapolin: Não me acertou
Banqueiro: Mas a mim sim
(O banqueiro geme e cai no chão, Chapolin tenta socorrê-lo, mas é assustado por mais um tiro que o faz correr até a parte interna do banco. Ali está uma simulação de um quadro do banqueiro, objeto, do quadro, que após um tiro cai, em um efeito de baixa qualidade.)
(Logo após, Racha-Cuca chega ao banco, Chapolin consegue se livrar passando por baixo das suas pernas, e volta para o 'Saloon'. Chegando lá, pára próximo a um quadro onde há a figura de uma vaca, mais um tiro acerta sua teta, que com o orifício começa a soltar leite, o dono do bar tenta aproveitá-lo com uma garrafa. E Racha-Cuca chega ao bar, onde Chapolin está escondido)
Racha-Cuca: Onde está? Onde é que se meteu? Vermelhinho! Onde quer que você este...
(Chapolin lhe acerta na cabeça por trás com uma cadeira, cujo material cenográfico também é um isopor tosco. Racha-Cuca cai e, ao tentar acertá-lo com outra cadeira, Chapolin atinge o xerife, mas continua batendo em Racha-Cuca, que se levanta e parte para cima)
Racha-Cuca: Ah, é assim, é?
(Acerta uma seqüência de socos em Chapolin, interrompida por mais um golpe que arremessa Racha-Cuca em cima de outra mesa, aparentemente vencido)
Chapolin: Não contavam com minha astúcia!